Acontecia-me às vezes pensar que se me
desse alguma vez para perder-me completamente, para abater um homem, para
castigá-lo com o mais horrível castigo, um castigo que metesse medo e fizesse
tremer antecipadamente o criminoso mais valente, não precisava senão de dar ao
seu trabalho o caráter de uma inutilidade e total e absoluta carência de
sentido. Embora o atual trabalho forçado não tenha interesse e atrativo para o
preso, é, contudo, em si mesmo um trabalho razoável; o preso fabrica tijolos,
amontoa terra, faz argamassa, constrói; em todo este trabalho há uma idéia e
uma finalidade. E às vezes o trabalhador forçado dedica-se à sua tarefa, aspira
a fazê-la com mais destreza, mais rapidez e perfeição. Mas se o obrigassem a
transvasar água de uma cuba para outra, e desta para aquela, a calcar areia, a
transportar montinhos de terra de um sítio para o outro, e vice-versa, penso
que o recluso suicidaria passados alguns dias ou cometeria mil desacatos, para,
ainda que fosse à custa da sua vida, se ver livre da humilhação, de vergonha e
de escárnio semelhantes. É claro que tal castigo apenas podia imaginar-se com
fins de tortura ou de vingança, e seria absurdo, porque ultrapassaria o seu
próprio fim. Mas ainda que não exista o mínimo vestígio desse tormento, desse
absurdo, desse vexame e dessa vergonha, no trabalho forçado, o trabalho do
preso é incomparavelmente mais penoso do que o do homem livre, precisamente por
ser forçado.
Dostoiévski, Fiódor (1821-1881)
Memórias
da Casa dos Mortos
Fiodor Dostoiévski, Obras Completas, vol II.
Rio
de Janeiro: Companhia Aguilar Editora, 1963. p 324-5
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