sábado, 25 de junho de 2022

A aptidão dos índios

[Em meados do séc.18], já é tempo de dizermos alguma coisa da grande habilidade e aptidão dos índios da América para todas as artes e ofícios...nas missões e casa dos brancos, em que aprendem todos os ofícios que lhes  mandam ensinar, com tanta facilidade, destreza e perfeição como os melhores mestres, de sorte que podem competir com os mais insignes do ofício; a muitos bastam verem trabalhar algum oficial na sua mecânica para o imitarem com perfeição...Em uma vila de portugueses havia um índio ferreiro e serralheiro tão insigne, que os mesmos portugueses do mesmo ofício lhe davam não só as primazias, mas também os votos para ser juiz do ofício...No colégio dos padres da Companhia na cidade do Pará estão uns dois grandes anjos por tocheiros com tal perfeição que servem de admiração aos europeus e são a primeira obra que fez um índio daquele ofício.

 

 

 

 

João Daniel (1722-1776)

 

 

In Antonio Porro. Dicionário etno-histórico da Amazônia colonial. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, 2007, p.171

 

 

 

 

 

sexta-feira, 24 de junho de 2022

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Catador de materiais recicláveis e cientista social

 

 Podemos ver o quão perverso se torna um dito por mim escutado várias vezes: ‘’vai trabalhar” e “o trabalho dignifica o homem”, sendo que a maioria esmagadora das/os sobreviventes das favelas são famílias trabalhadoras, sendo que a diferença em relação a outras/os trabalhadoras/es é o alto grau de precarização do seu trabalho, os quais não geram – como percebemos quando escutamos estas frases - reconhecimento, valorização e muito menos dignidade, posto que para esta conquista outras lutas, além do trabalho, devem ser travadas.

Famílias como a da Dra. Maria Carolina de Jesus, bem como a minha e de milhares de brasileiras/os são marcadas pela exclusão social e econômica, pela exclusão do conhecimento e dos saberes, mesmo sendo trabalhadoras/es, gerando riquezas, mas apenas ficando imerso na pobreza e na miséria, em muitos casos, íntimas da fome, excluídas e indesejadas socialmente. [...] É um definhamento psicológico dormir sem saber que amanhã pode não haver comida para alimentar os filhos, dinheiro para pagar as contas, roupas para se aquecer. Vocês não sabem o que é isso? Procurem ajudar quem infelizmente sabe.

Famílias caracterizadas pela falta de uma cidade para morar, não desejadas nem no interior, nas suas cidades natal e muito menos na cidade grande, na cidade as quais foram obrigadas a morar. Vivendo numa espécie de limbo geográfico, sem assistência do estado, sem cidadania, com o estado tratando as famílias como rejeitos sociais, através do qual se tornam problemas caracterizados por serem indesejáveis. Imaginem sobreviver nessas condições, afastados de seus familiares, longe e expulso do lugar que chamava de lar, agora em terreno hostil, também indesejado, com vizinhos novos e a forte presença do medo.

A cidade e seus senhores nobres e poderosos são, ao seu entender, os legítimos moradores, os que detém a propriedade da terra, grandes extensões de terras. Estes nascem herdeiros de propriedades, com o futuro pré-definido, de privilégios e exploração, naturalizando dessa forma a riqueza e a pobreza. Colocando a riqueza como sua conquista, através de seus esforços e Inteligências, aqueles que sabem aproveitar as oportunidades e assim, culpando os pobres pela pobreza, lhes relacionando a ignorância, preguiça, falta de vontade, mesmo sendo as/os trabalhadoras/es pobres a produzirem as riquezas.

A pobreza não é gerada pelos pobres e sim pela exploração e não distribuição da riqueza, ocorrida por várias gerações, desde o Brasil colonial. Com o passar do tempo, foi-se passando também por herança, tanto a pobreza quanto a riqueza, sem nunca sequer haver discussão sobre distribuição das riquezas, sendo difícil até mesmo discutir a taxação das fortunas. A acumulação de riquezas por um lado nas mãos de poucos, gera a pobreza e a miséria para muitos. Não haveria pobres se não houvessem ricos, pobres são pobres somente quando há comparação com os ricos.

Ricos não gostam de malocas, por isso as querem longe, se esforçam para as destruir. Os (nós) maloqueiros também não gostamos de viver em malocas, também temos sonhos, desejos, ensejamos por uma vida melhor. Esta vida poderia vir não com a destruição dos ricos, mas sim de seus privilégios e distribuição de riquezas, as quais realmente poderiam acabar com as malocas e melhorar nossas vidas. Ninguém mora em malocas porque quer, são forçados a morar bem como são forçados a saírem, sendo que estas forças vêm principalmente das instituições do estado e privadas. Além do mais, os ricos gozam como se seus privilégios lhes fosse um direito natural, se aproveitam dessas situações.

Não gostam de malocas mas gostam do trabalho que elas produzem, se aproveitam da situação de exclusão extrema para explorar ainda mais as/os trabalhadoras/es, estas/es que em sua maioria nem sequer conseguem concorrer por vagas de trabalho no mercado formal, que têm que vender sua força de trabalho conforme seu “valor e necessidade”, mas sim conforme o “cliente” quiser pagar, logo se você não se sujeitas a trabalhar nas condições que estão lhe sendo “ofertadas” outro trabalhará em seu lugar. É quase uma luta, como uma grande competição entre os explorados para saber quem poderá ter o privilégio de ser contratado/explorado.

Não gostam das/os catadoras/es mas gostam da reciclagem, querem que seus resíduos saiam da frente de seus olhos e sejam reciclados, não gostam de pobreza mas pagam pouco e exploram muito seus/uas empregados/as e muito menos ainda pelos serviços domésticos. Um pedreiro, servente da construção civil da maloca custa um terço em relação a outros pedreiros ditos profissionais na realização do mesmo serviço e assim funciona com os eletricistas, porteiros e domésticas, profissões marcantes da cidade das malocas. É uma exploração travestida de apoio onde o explorado não pode reclamar e ainda é obrigado a agradecer.

 

 Alexandro Cardoso (1980 )

 

 

 

Do Lixo a Bixo: a cultura dos estudos e o tripé de sustentação da vida. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021.p 59-61