Arte é o conjunto de
regras ou preceitos que se devem observar na execução de um trabalho. Há artes liberais e artes mecânicas: as primeiras dizem principalmente respeito à
inteligência, as segundas ao trabalho manual e ao emprego das máquinas. Assim,
a arquitetura, a escultura, a música são artes liberais; a arte do padeiro, a
do fotógrafo, a do sapateiro são artes mecânicas. A arte não é profissão, nem
ofício, nem mistér: as artes liberais guiam no exercício de certas profissões
liberais; as artes mecânicas, no exercício dos ofícios ou mistéres, mas essas
artes nem são profissões, nem ofícios nem mistéres. Quando o arquiteto exerce a
sua profissão, pratica a arte da arquitetura, mas esta arte, considerada como
conjunto de regras, é muito distinta da aplicação que dela se faz e o próprio
exercício que da arte da arquitetura se fizera acidentalmente por uma pessoa
que construísse um edifício, não constituiria a profissão de arquiteto para
essa pessoa, pois a palavra profissão inculca uma ideia de ocupação habitual. A
arte do sapateiro, considerada como conjunto de regras, é muito distinta da
aplicação que dela se faz na confecção do calçado, e é precisamente essa
aplicação que, quando é habitual, constitui o ofício ou mister do
sapateiro.
Recebendo de um mestre sapateiro as
indicações necessárias, é que se aprende a arte do sapateiro; o mister ou
ofício aprende-se vendo o mestre sapateiro aplicar essas regras de sua arte, e
tratando de o imitar tantas vezes quanto forem necessárias para poder exercer a
arte por si só.
Designando a arte as regras e o oficio ou
mister a aplicação habitual de tais regras, temos que a denominação de artes e ofícios é o conjunto das artes
mecânicas e dos ofícios que são a sua aplicação.
Devemos também notar que, apesar da palavra
arte designar as regras, e a palavra ofício a aplicação dessas regras, nada
obsta a que se diga que Fulano exerce uma arte mecânica, para designar que
exerce um ofício ou mister, pois o verbo “exercer” indica claramente que se
trata, não de conhecimentos considerados em si próprios, mas de conhecimentos
que se praticam habitualmente. Rigorosamente, as duas expressões não são
absolutamente equivalentes; ambas, na verdade, sugerem simultaneamente as
ideias de conhecimentos adquiridos, e de aplicação habitual desses
conhecimentos; mas dizer que se exerce uma arte mecânica sugere positivamente
que esse exercício é uma aplicação das regras da arte; em quanto dizer que se
exerce um ofício sugere sem dúvida essa mesma ideia, mas sem a indicar
explicitamente.
Oficio é a profissão em
que o trabalho manual ou o emprego de máquinas é o principal agente. As
profissões de sapateiro, padeiro, carpinteiro, etc., são ofícios.
Mistér diz-se da
profissão que se reputa como indispensável na sociedade: o sacerdote, o mestre
de instrução primária, o lavrador, o ferreiro devem atender ao seu mister.
Profissão é termo genérico
que exprime a classe a qual se pertence em atenção às ocupações pessoais. Há profissões liberais e profissões servis, designações que
atravessaram os séculos desde que as primeiras eram em Roma exercidas pelos
cidadãos, e as segundas pelos servos ou escravos. As profissões liberais são
aquelas em que o trabalho das mãos é a parte acessória, sendo o agente
principal a inteligência: tais são a medicina, a arquitetura, a magistratura,
etc.. As profissões servis pertencem à ordem dos ofícios. [...]
Condição liga-se à ideia de
profissão por esta despertar a do lugar ou situação em que a pessoa que a
exerce se acha colocada; é penosa a condição de serviçal.
Dos quatro primeiros vocábulos deste grupo
diz Roquete:
“Posto que a palavra latina ars de que nós fizemos arte, venha por síncope da grega areté, virtude, todavia ela equivale a
esta outra techne, que entre os
gregos tinha mui lata significação pois abrangia toda disciplina em que se
davam regras e preceitos. A gramática, a retórica, a poética, a lógica, a
dialética, assim como a pintura, a arquitetura, a estatuária, etc., eram artes,
de tal modo que todas estas palavras, que hoje temos como substantivos, são
adjetivos substantivados pois representam a variação feminina de gramáticos,
rhetoricos, pointicos, lógicos, dialecticos, zographicos, architetonicos,
ermoglyphicos, concordando com o substantivo feminino subentendido techne, arte. Artes liberais, chamavam os antigos as que ornavam o espírito e
eram cultivadas por homens livres, em oposição as que só exerciam os escravos,
mas hoje se entendem principalmente as em que predomina o espírito, como a
pintura, a escultura, a arquitetura, a música, etc. – Artes mecânicas ou humildes, antigamente só de escravos, são as que
dependem do trabalho das mãos, tais são todos os ofícios fabris, a que os
gregos chamavam cheironaxia ou banaysos techne.- Belas artes são as que nos suscitam ao mesmo tempo sensações e
ideias agradáveis, que se propõem imitar a natureza na sua maior perfeição,
tais são a poesia, a eloquência, a pintura, a estatuária, etc.
Mistér, do latim ministerium, palavra mais usada
antigamente do que hoje, é o mesmo que ofício
mecânico ou fabril, tal é o do ferreiro, carpinteiro, etc.
Profissão é aquele modo de
vida que cada um exerce publicamente e pode ser mecânico ou de outro gênero.
A arte
faz o artífice, o artista, o homem hábil; o ofício, o operário e jornaleiro; a profissão, o homem de uma ordem ou de certa classe; tais são os
médicos, os cirurgiães, os boticários, etc, que nem se chamam artistas nem são
homens de ofício. O ofício requer um
trabalho material, ou mecânico ou de mãos; a profissão um trabalho ou ocupação qualquer; a arte um trabalho de engenho, sem excluir nem exigir um trabalho
material.
De esses mesmo vocábulos diz Lacerda:
Arte é o gênero, quer
dizer, toda a obra manual que se faz por preceitos e regras, mister ou mestér, é a espécie, quer
dizer,- a arte em objeto que diz respeito às necessidades mais indispensáveis
da vida social e civil. As artes
chamam-se também belas artes e os misteres, artes mecânicas. Chamam-se artistas
os que exercitam aquelas e os que exercitam estas, artífices. Ofício é o
exercido com preceito do trabalho mecânico, fabril, etc. Profissão é o modo de vida que qualquer pessoa exerce publicamente,
ou seja, mecânico ou de outro gênero.
Roquete como se vê compreende melhor que
Lacerda dentro de que limites a palavra arte deve ficar circunscrita.
Brunswick, Henrique (1846-1919)
Diccionario de Synonymos da Lingua
Portuguesa
Editora Francisco Pastor, Lisboa,
1899. p 119-120
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