Sem escravos não se produziria o açúcar. E
escravos em grande número; para plantarem a cana; para a cortarem; para
colocarem a recoltada entre as moendas impelidas à roda d’água - nos engenhos
chamados d’água, e por giro de besta ou de boi, nos chamados almanjarras ou trapiches; limparem
depois os sumos nas caldeiras de cocção; fazerem coalhar o caldo; purgarem e
branquearem o açúcar nas formas de barro; destilarem a aguardente. Escravos que
se tornaram literalmente os pés dos senhores: andando por eles, carregando-os
de rede ou de palanquim. E as mãos- ou pelo menos, as mãos direitas; as dos
senhores se vestirem, se calçarem, se abotoarem, se limparem, se catarem, se
lavarem, tirarem os bichos dos pés. De um senhor de engenho pernambucano conta
a tradição que não dispensava a mão do negro nem para os detalhes mais íntimos
da toilette; e de ilustre titular do
Império refere Von den Steinen que uma escrava é que lhe acendia os charutos
passando-os já acesos à boca do velho. Cada branco de casa-grande ficou com
duas mãos esquerdas, cada negro com duas mãos direitas. As mãos do senhor só
servindo para desfiar o rosário no terço da Virgem; para pegar nas cartas de
jogar; para tirar rapé das bocetas ou dos corriboques; para agradar, apalpar,
amolegar os peitos das negrinhas, das mulatas, das escravas bonitas dos seus
haréns.
Freyre, Gilberto ( 1900-1987)
Casa-Grande & Senzala. 6 Edição. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1950. p 699
Casa-Grande & Senzala. 6 Edição. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1950. p 699
Nenhum comentário:
Postar um comentário