quarta-feira, 23 de maio de 2018

Escravos


Sem escravos não se produziria o açúcar. E escravos em grande número; para plantarem a cana; para a cortarem; para colocarem a recoltada entre as moendas impelidas à roda d’água - nos engenhos chamados d’água, e por giro de besta ou de boi, nos chamados almanjarras ou trapiches; limparem depois os sumos nas caldeiras de cocção; fazerem coalhar o caldo; purgarem e branquearem o açúcar nas formas de barro; destilarem a aguardente. Escravos que se tornaram literalmente os pés dos senhores: andando por eles, carregando-os de rede ou de palanquim. E as mãos- ou pelo menos, as mãos direitas; as dos senhores se vestirem, se calçarem, se abotoarem, se limparem, se catarem, se lavarem, tirarem os bichos dos pés. De um senhor de engenho pernambucano conta a tradição que não dispensava a mão do negro nem para os detalhes mais íntimos da toilette; e de ilustre titular do Império refere Von den Steinen que uma escrava é que lhe acendia os charutos passando-os já acesos à boca do velho. Cada branco de casa-grande ficou com duas mãos esquerdas, cada negro com duas mãos direitas. As mãos do senhor só servindo para desfiar o rosário no terço da Virgem; para pegar nas cartas de jogar; para tirar rapé das bocetas ou dos corriboques; para agradar, apalpar, amolegar os peitos das negrinhas, das mulatas, das escravas bonitas dos seus haréns.

Freyre, Gilberto ( 1900-1987)

Casa-Grande & Senzala. 6 Edição. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1950. p 699

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