...eu era tímido por natureza mas na
Lancia, um pouco pela companhia, e pouco depois de me colocarem na manutenção,
quando aprendi a soldar, me tornei mais ousado e ganhei confiança: sim, soldar
foi importante, mas não saberia dizer por quê. Talvez porque não é um trabalho
natural, especialmente a soldagem autógena: não vem da natureza, não se parece
com nenhum outro trabalho, é preciso que a cabeça, as mãos e os olhos aprendam
cada um por conta própria, sobretudo os olhos, porque quando você põe na frente
deles aquele capacete para se proteger da luz só se vê o breu e no breu a
minhoquinha acessa do cordão de soldadura que vem na frente, e deve vir sempre
na frente sempre na mesma velocidade; não se vem nem a próprias mãos, mas, se
você não fizer tudo direitinho e errar, nem que seja um pouquinho, em vez de
uma soldadura o resultado é um buraco. O fato é que depois que ganhei confiança
com a solda, depois confiei em tudo, até na maneira de caminhar.
Primo Levi (1919-1987)
A chave estrela. Tradução de Maurício Santana Dias. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009. p142
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