domingo, 20 de maio de 2018

Quando aprendi a soldar

...eu era tímido por natureza mas na Lancia, um pouco pela companhia, e pouco depois de me colocarem na manutenção, quando aprendi a soldar, me tornei mais ousado e ganhei confiança: sim, soldar foi importante, mas não saberia dizer por quê. Talvez porque não é um trabalho natural, especialmente a soldagem autógena: não vem da natureza, não se parece com nenhum outro trabalho, é preciso que a cabeça, as mãos e os olhos aprendam cada um por conta própria, sobretudo os olhos, porque quando você põe na frente deles aquele capacete para se proteger da luz só se vê o breu e no breu a minhoquinha acessa do cordão de soldadura que vem na frente, e deve vir sempre na frente sempre na mesma velocidade; não se vem nem a próprias mãos, mas, se você não fizer tudo direitinho e errar, nem que seja um pouquinho, em vez de uma soldadura o resultado é um buraco. O fato é que depois que ganhei confiança com a solda, depois confiei em tudo, até na maneira de caminhar.


Primo Levi (1919-1987)

A chave estrela. Tradução de Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p142


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