Se excluirmos os instantes prodigiosos e
singulares que o destino nos pode dar, amar o próprio trabalho (o que
infelizmente é privilégio de poucos) constitui a melhor aproximação concreta da
felicidade na terra: mas esta é uma verdade que não muitos conhecem. Essa
interminável região, a região da lida, do batente, do ganha-pão, enfim do
trabalho cotidiano, é menos conhecida que a Antártida, e, por um triste e
curioso fenômeno, quem mais fala dela, e com mais clamor, são justamente
aqueles que menos a percorreram. Para exaltar o trabalho, mobiliza-se nas
cerimônias oficiais uma retórica insidiosa, cinicamente fundada na consideração
de que um elogio e uma medalha custam bem menos do que um aumento de salário, e
rendem mais; mas também existe a retórica do sinal oposto, não cínica, mas
profundamente estúpida, que tende a denegri-lo, a pintá-lo como vil, como se o
trabalho, próprio ou alheio, pudesse ser dispensado, não só numa Utopia, mas
hoje e aqui: como se quem sabe trabalhar fosse por definição um servo, e como
se, ao contrário, quem não sabe trabalhar ou sabe mal ou não quer fosse por
isso mesmo um homem livre. É uma verdade melancólica que muitos trabalhos não
são agradáveis, mas é nocivo entrar em campo cheio de ódio preconcebido: quem
faz isso se condena por toda a vida a odiar não só o trabalho, mas a si mesmo e
ao mundo. É possível e se deve lutar para que o fruto do trabalho permaneça nas
mãos de quem o faz, para que o próprio trabalho não seja uma pena; mas o amor
ou respectivamente o ódio pela obra são um dado interno, originário, que
depende mais da história de cada indivíduo do que, como se costuma acreditar,
das estruturas produtivas dentro das quais o trabalho se desenvolve.
Levi, Primo (1919-1987)
A chave estrela. Tradução de Maurício Santana Dias.São Paulo:
Companhia das Letras, 2009. p 91-92
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