Carta a Thevenot
[...] Há dois fatores nessa escravidão: a
velocidade e as ordens. A velocidade: para “vencer” é preciso repetir um
movimento após outro a um ritmo que, sendo mais rápido que o pensamento, proíbe
não só a reflexão como a fantasia. Diante da sua máquina é preciso matar sua
alma por oito horas por dia, seu pensamento, seus sentimentos, tudo. Se a gente
estiver irritado, triste, desgostado, é preciso engolir, reprimir tudo dentro
de si, irritação, tristeza ou desgosto: eles diminuiriam o ritmo de trabalho. E
também a alegria. As ordens: desde o momento em que se bate o ponto na entrada
até o momento em que se bate o ponto na saída do trabalho, a gente pode
receber, a qualquer momento, todo tipo de ordem. E sempre é preciso se calar e
obedecer. A execução da ordem pode ser penosa ou perigosa, a ordem pode até não
ser executável; ou então dois chefes podem dar ordens contraditórias; não
importa, é preciso calar e ceder. Dirigir a palavra a um chefe, mesmo por um
motivo indispensável, mesmo se é uma boa pessoa (até as boas pessoas têm
momentos de humor) é sempre se expor à repressão e quando isso acontece, é
preciso ainda se calar. Quanto aos seus próprios momentos de nervosismo e mal
humor, é preciso engoli-los, eles não podem se traduzir nem em palavras nem em
gestos, pois os gestos são a cada instante determinados pelo trabalho. Esta
situação faz com que o pensamento murche, se retraia, como a carne se retrai
diante de um bisturi. Não se pode ser “consciente”. Tudo isto se refere ao trabalho
não qualificado, bem entendido. (Sobretudo ao das mulheres). E no meio de tudo
isso um sorriso, uma palavra de bondade, um instante de contato humano têm mais
valor que as mais dedicadas amizades entre os muito ou pouco privilegiados. É
só lá que se conhece a fraternidade humana. Mas há pouco dela, muito pouco. Em
geral, mesmo as relações entre camaradas refletem a dureza que domina tudo lá
dentro. Chega, falei demais. Vou escrever volumes sobre tudo isso.
Weil, Simone (1909-1943)
La condition ouvrière. Tradução minha
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