sexta-feira, 25 de maio de 2018

O trabalhador perfeito


No quarteirão da fábrica, portas se abriam de todos os lados e logo ele era um dentre uma multidão que avançava furiosamente na escuridão. Quando atravessou o portão da fábrica o apito soou novamente. Deu uma olhada para o leste. Contra um rude horizonte de tetos e casas uma pálida luz principiava a brotar. Isso foi tudo que viu no dia enquanto lhe voltava as costas e reunia-se à sua turma de trabalho.
Tomou o seu lugar em uma das muitas longas filas de máquinas. À sua frente, sobre um coche cheio de pequenas bobinas, havia grandes bobinas girando com rapidez. Nestas, ele enrolava os novelos de juta das bobinas menores. O trabalho era simples. Tudo que era preciso era velocidade. As bobinas pequenas se esvaziavam tão rapidamente e havia tantas bobinas grandes fazendo isso que não lhe sobravam momentos de ócio.
Trabalhava mecanicamente. Quando uma bobina pequena se esvaziava, usava sua mão esquerda para pará-la, parando a bobina grande e, ao mesmo tempo, com o polegar e o indicador, alcançar a ponta do novelo de juta que se debatia. E, também ao mesmo tempo, com sua mão direita alcançava a ponta solta de uma bobina pequena. Esses vários atos eram realizados simultaneamente por ambas as mãos a toda velocidade. Aí elas se lançavam à frente como dois raios enquanto levantava o laço e soltava a bobina. Não havia nada de difícil nesses laços. Uma vez se gabara de que poderia atá-los até durante o sono. Aliás, ele às vezes o fazia, suando longos séculos numa única noite, atando uma sucessão infinita de laços de juta.
[...] Era o trabalhador perfeito. Sabia disso. Assim tinham-lhe dito, inúmeras vezes. Era um lugar-comum e, além disso, parecia não significar mais nada para ele. De trabalhador perfeito evoluíra para tornar-se a máquina perfeita. Quando seu trabalho ia mal, é porque ocorria com ele o mesmo que com uma máquina, era devido a material defeituoso. Era tão plausível um cortador de unhas perfeito cortar unhas imperfeitas quanto ele cometer um erro.
E não há por que se espantar. Jamais houvera um tempo em que não tivesse vivido em íntimas relações com máquinas. As máquinas quase tinham sido criadas dentro dele, de qualquer modo, ele tinha sido criado junto delas.

                        London, Jack (1876-1916)


                        De vagões e vagabundos, memórias do submundo. Porto Alegre: L&PM Editores, 1985. p 15-16
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