quinta-feira, 29 de novembro de 2018

O cavalo e o cavalariço (fábula)


Um cavalariço roubava aveia do cavalo e a vendia. Mas ele escovava o cavalo todo dia. Aí, o cavalo disse para ele:
- Se você quer de fato que eu fique bonito, pare de vender minha aveia.



 Tolstoi, Leon (1828-1910)

Contos da nova cartilha: primeiro livro de leitura. Tradução de M. Aparecida B. P. Soares. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005. p 89

O filho sábio (fábula)


Um rapaz chegou da cidade para visitar o pai na aldeia. O pai disse:
-Estamos na época da ceifa: pegue o ancinho e venha me ajudar.
Porém, o filho não tinha vontade de trabalhar e disse:
-Eu estudei ciências e esqueci todas as palavras que os mujiques usam. O que é um ancinho?
Mal ele saiu para o quintal, pisou num ancinho que bateu bem na sua testa. Aí, ele lembrou logo o que era um ancinho, passou a mão na testa e disse:
- Quem foi o idiota que largou o ancinho aqui?

Tolstoi, Leon (1828-1910)

Contos da nova cartilha: primeiro livro de leitura. Tradução de M. Aparecida B. P. Soares. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005. p 125

O fardo (fábula)


Dois homens iam juntos pela estrada, cada um carregando no ombro o seu fardo. Um deles carregou-o sem tirá-lo durante todo o caminho; e o outro vivia parando, tirava o fardo e sentava-se para descansar. E cada vez ele tinha de erguer o fardo e colocá-lo novamente no ombro. E assim, aquele que havia tirado seu fardo estava mais cansado do que aquele que o havia carregado sem tirá-lo.

Tolstoi, Leon ( 1828-1910)

Contos da nova cartilha: primeiro livro de leitura. Tradução de M. Aparecida B. P. Soares. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005. p 143

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Samba do trabalhador

Na segunda-feira eu não vou trabalhar É, é, é a Na terça-feira não vou pra poder descansar É, é, é a Na quarta preciso me recuperar É, é, é a Na quinta eu acordo meio-dia, não dá É, é, é a Na sexta viajo pra veranear É, é, é a No sábado vou pra mangueira sambar É, é, é a Domingo é descanso e eu não vou mesmo lá É, é, é a Mas todo fim de mês chego devagar É, é, é a Porque é pagamento eu não posso faltar É, é, é a E quando chega o fim do ano Vou minhas férias buscar E quero o décimo-terceiro Pro natal incrementar Na segunda-feira não vou trabalhar É, é, é a É, é, é a Eu não sei por quê tenho que trabalhar Se tem gente ganhando de papo pro ar Eu não vou, eu não vou Eu não vou trabalhar Eu só vou, eu só vou Se o salário aumentar É, é, é a É, é, é a A minha formação não é de marajá Minha mãe me ensinou foi colher e plantar Eu não vou, eu não vou Eu não vou trabalhar Eu só vou, eu só vou Se o salário aumentar É, é, é a É, é, é a Tô cansado...

Martinho da Vila (1938-)

https://www.youtube.com/watch?v=QnaL1wF9XsM


quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Fábrica

Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez
Não é pedir demais:
Quero justiça
Quero trabalhar em paz
Não é muito o que lhe peço
Eu quero trabalho honesto
Em vez de escravidão

Deve haver algum lugar
Onde o mais forte não
Consegue escravizar
Quem não tem chance

De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fábrica?

O céu já foi azul, mas agora é cinza
O que era verde aqui já não existe mais
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada
De tanto brincar com fogo

Que venha o fogo então

Esse ar deixou minha vista cansada
Nada demais.


Renato Russo (1960-1996)






https://www.youtube.com/watch?v=6Ll5vMvUo0U&t=39s

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Bagaços vivos


Aplicava-se na forma máxima os métodos de aceleração e de adição. Extraía-se de cada indivíduo o máximo que ele podia fornecer, e cada um devia fornecer até a última grama de energia que pudesse haver em sua carcaça. Henry Ford, naturalmente, afirmava o contrário: escrevia com tanta inocência, com tanta convicção sobre a necessidade de investigações científicas para se obterem dados precisos sobre o potencial de trabalho que um operário pode fornecer sem cansaço, que não se podia acreditar que ele os fizesse trabalhar além desse ponto. Era falso, era mentira! Os operários de Henry tinham vontade de gritar quando liam esses artigos. Ainda estavam cansados quando começavam a trabalhar de manhã, e à tarde, quando deixavam o trabalho, estavam exaustos de fadiga; eram bagaços vivos donde se tinha espremido as últimas gotas de suco.
Isso não era só na fábrica Ford, em toda a bárbara indústria moderna era a mesma coisa. Mais ligeiro, sempre mais ligeiro, até que em seus corações os homens gritassem de desespero. Todas as fábricas de automóveis viviam entre si numa concorrência permanente e mortal, e, em cada fábrica, eram os diversos serviços que lutavam entre si e contra si, contra a produção anterior, contra as novas “normas” estabelecidas pelos engenheiros que estudavam os métodos, inventavam as novas máquinas e elaboravam novas técnicas.



Sinclair, Upton (1878-1968)


Ford, o rei dos automóveis baratos. Tradução de Casemiro M. Fernandes. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1940. p 122



domingo, 11 de novembro de 2018

O método mais simples para acelerar o trabalho


Um novo problema se apresentava aos construtores de automóveis. Quanto mais aumentava o número de operários, mais tempo se perdia no andar de um lado para outro, por causa dos encontrões. Na General Motors alguém teve uma ideia genial: em vez do homem ir até o trabalho, porque não trazer o trabalho até o homem?
Começaram a fazer experiências e imediatamente os agentes da Ford informaram-lhe da novidade. Ele não permitia que lhe passassem à frente, e por isso resolveu também experimentar o novo processo. As peças do magneto, órgão pequeno, mas complexo, foram dispostas em cima de uma mesa corrediça, de altura conveniente para os trabalhadores, sentados em banquinhos, que executavam, cada um, uma operação determinada em uma série de magnetos que passavam lentamente diante deles. Até então a montagem de um magneto, por um único homem, demorava vinte minutos. Agora o trabalho estava dividido em vinte e nove operações, efetuadas por vinte e nove operários e o tempo por magneto caiu para treze minutos e dez segundos. Foi uma verdadeira revolução
Aplicou-se o novo método à montagem dos motores. Quando realizada por um único homem, ela requeria nove horas e cinquenta e quatro minutos. Agora, que o trabalho tinha sido repartido entre vinte e quatro operários diferentes, o tempo de montagem tinha sido reduzido de mais de quarenta por cento. [...]
Imediatamente começou-se a demolir a maior parte da fábrica para reconstruí-la, adaptando-a ao novo processo. Instalaram-se plataformas móveis onde vinham ter diversas peças que entravam na composição do chassis, fosse por meio de ganchos pendentes de correntes, fosse por pequenos carrinhos automóveis, circulando ao lado. Logo depois instalaram as plataformas em duas alturas, uma para os operários baixos, outra para os altos. [...]
Desde que o método foi aplicado, a tendência inevitável foi de acelerar a marcha da cadeia. Henry Ford era de opinião que a competição era uma teoria errônea, na qual ele não acreditava, mas também, não é menos verdade que ele sustentava a luta durante todos os instantes de sua vida, e continuaria a fazê-lo enquanto fabricasse automóveis. Uma centena de fábricas diferentes, difundidas por todo o território dos Estados Unidos, esforçavam-se para batê-lo. De um modo geral venceria aquele que conseguisse extrair mais da mão de obra. E isso desde o primeiro gesto da primeira mão que extraia o mineral de ferro ou colhia o leite da seringueira, na jungle tropical.
O serviço de vendas reclamava continuamente maior número de viaturas. Desde que a fabrica começou a produzir mil automóveis diariamente, os chefes souberam que acelerando a marcha da “cadeia” de um minuto por hora, se fabricaria mais dezesseis viaturas por dia. Porque não experimentar? E, quinze dias mais tarde, quando os operários da “cadeia” tivessem se habituado à nova cadência mais rápida, porque não experimentar de novo?
Jamais se conhecera um método mais simples para acelerar o trabalho. Bastava uma meia volta numa maneta para fazer os operários acelerarem o serviço. Era uma imposição invisível como os direitos alfandegários, que o consumidor paga sem se aperceber. O operário não podia consultar relógio nem contar o número de viaturas que chegavam a ele. E mesmo se ele tivesse sido avisado pelo homem que regulava a marcha da “cadeia”, ainda assim seria como no caso da alfândega, não poderia fazer nada em contrário. Se ele não se sentia com forças capazes para acompanhar a marcha, havia uma dúzia de outros, mais robustos, que esperavam uma oportunidade para serem admitidos. Calem-se e façam o que lhes determinam.


Sinclair, Upton (1878-1968)


Ford, o rei dos automóveis baratos. Tradução de Casemiro M. Fernandes. Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1940. p 47-50

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O entregador de papel


Entrei na de entregar papel por indicação de um amigo que estudava comigo. Era para ser uma parada rápida, só pra me segurar por um tempo, mas já tô nessa há quase um ano. A grana é curta, trinta reais por dia, de segunda a sexta, de oito às quatro. Em compensação o trabalho é fácil: é só entregar os papéis na mão de quem passa na minha frente, se a pessoa pegar tudo bem, não me importo se ela vai jogar no chão ou vai procurar o escritório pra pedir um empréstimo. Se ela não pegar, vida que segue, o que não falta é gente pra ficar tentando. Uma coisa boa nesse trabalho é que não preciso falar com ninguém, tenho tempo pra ficar pensando, planejando minhas coisas, imaginando o futuro.
Foi estranha a primeira vez. Tinha dormido tarde, cheguei lá no ponto de encontro em cima da hora marcada, já tinha um pessoal esperando. Tinha muita gente de rua, uma mina grávida, uma coroa com mais idade do que minha vó. Não sabia se era exatamente ali que deveria aguardar, meu amigo ainda não tinha chegado. Acendi um cigarro, tentando entender onde é que tava me metendo. Meu amigo chegou confirmando que o lugar era ali mesmo, esperamos mais uns dez minutos e apareceu o fiscal. Ele perguntou meu nome e me entregou um paco de papel, depois me disse para entregá-lo na rua da Carioca, bem na esquina, um pouco antes de chegar na praça Tiradentes. Então fui pra lá.
No começo sentia muita vergonha. As pessoas passavam, parecia que elas sentiam sempre pena de mim, ou raiva, sei lá. Às vezes, quando eu via alguém chegando, fazia o contato visual, me preparava pra entregar o papel: nessas horas, de alguma forma, sentia que aquelas pessoas preferiam que eu não existisse. O problema é que eu levava os olhares pro lado pessoal. Demorei pra entender que aqueles olhares, independentemente do significado, não eram pra mim, eram pro entregador de papel. E esse não sou eu, nem ninguém.
Depois de entender essa diferença, ficou tudo mais tranquilo. Menos quando passava algum conhecido. Nessas horas eu tinha vontade de me esconder embaixo do asfalto. A primeira vez que aconteceu foi com um amigo lá do morro, ele vinha andando pela calçada, vi de longe. Pensei em sair de perto, mas era mais ou menos a hora que o fiscal passava por ali. Decidi ficar parado, com a cabeça baixa pra ele não me ver. Quando achei que já tinha passado e levantei a cabeça, ele estava parado na minha frente, pronto pra falar comigo. Tentei esconder os papéis, mas não deu. Falei pra ele: ”Tô na correria, irmão”. Ele me disse que tá foda, tá correndo atrás também, que se pá ia ver comigo pra colocar ele nessa fita. Depois a gente se abraçou e ele me disse pra aparecer lá na casa dele pra jogar videogame.



Martins, Geovani (1991- )


O sol na cabeça: contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p 102-103