quarta-feira, 29 de março de 2023

segunda-feira, 6 de março de 2023

Os homens do nitrato


Eu estava no salitre, com os heróis obscuros,

 com o que cava neve fertilizante e fina

 na casca dura do planeta, 

e apertei com orgulho suas mãos de terra. 


Me disseram; “Olha, 

irmão, como vivemos

 aqui em `Humberstone', aqui em `Mapocho',

 em `Ricaventura', em `Paloma',

em `Pan de Azúcar', em `Piojillo' “.


E me mostraram suas rações

 de miseráveis alimentos, 

seu piso de terra nas casas, 

o sol, o pó, os percevejos,

 e a solidão imensa.


 Vi o trabalho dos raspadores, 

que deixam afundada, no cabo

 da madeira da pá, 

a marca toda de suas mãos.


 Escutei uma voz que vinha

 do fundo estreito da escarpa, 

como de um útero infernal, 

e depois assomar em cima

 uma criatura sem rosto, 

uma máscara poeirenta 

de suor, de sangue e pó. 


E este me disse: “Aonde fores, 

fala destes tormentos, 

fala tu, irmão, de teu irmão 

que vive embaixo, no inferno”.


 

Pablo  Neruda (1904-1973)

.Canto geral. Tradução de Paulo Mendes Campos. São Paulo: Círculo do Livro