[...] Em Um dia na vida de Ivan Denissovitch, Soljenitsin descrve uma
situação quase idêntica: Ivan, o protagonista, condenado sem nenhuma culpa a
dez anos de trabalho forçado, se compraz em erguer uma parede com perfeição,
constatando depois que foi bem sucedido [...] quem assistiu a um célebre filme,
A ponte do rio Kwai, recordará o zelo
absurdo com que o oficila ingles prisioneiro dos japoneses se obstina em
construir para eles uma audaciosíssima ponte de madeira, e se escandaliza quanndo
se dá conta de que os sapadores ingleses a minaram. Como se vê, o amor pelo
trabalho bem feito é uma virtude fortemente ambígua. Animou a Michelangelo até
seus últimos dias; mas também Stangl, o diligentíssimo carniceiro de Treblinka,
replica com irritação à sua entrevistadora: “tudo aquilo que fazia por minha
livre vontade tinha de fazer da melhor forma que podia. Fui criado assim.” Da
mesma virtude se orgulhava Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz, quando narra
o trabalho criativo que o induziu a inventar as câmaras de gás.
Levi, Primo (1919-1987)
Os afogados e os sobreviventes. Tradução
de Luiz Sérgio Henriques. 3edição. Rio de Janeiro/São Paul: Paz&Terra, 2016.
p 99-100
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