domingo, 20 de maio de 2018

Os militares

De todos os agrupamentos formados pelos homens para realizar atos coletivos um dos mais concretos e definidos é o exército.
Todo o exército se compõe de membros os mais humildes na hierarquia militar, soldados rasos, sempre o maior número, de outros, de patente mais elevada, os cabos, os sargentos, menos numerosos, e ainda de outros de patente mais elevada, menos numerosos ainda, e assim por diante até a mais alta autoridade militar, a qual é constituída apenas por uma só pessoa.
A organização do exército poder-se-ia perfeitamente representar por um cone cujo maior diâmentro seria ocupado pelo soldado raso, as secções menores, ocupadas pelas patentes sucessivamente mais elevadas, até ao topo do cone, onde estaria o general-em-chefe.
Os soldados, que são os mais numerosos, formam a parte inferior e a base. É o soldado, diretamente, quem fere, corta, queima, saqueia, e para executar estas tarefas recebe sempre ordens dos que estão situados na escala acima; o soldado raso, por si, nunca dá ordens. Os sargentos, menos numerosos, raramente executam a mesma tarefa que o soldado raso; mas já dão ordens. O oficial mais raramente age, e dá mais ordens. O general limita-se a dizer às tropas que marchem e quase nunca se utiliza de suas próprias armas. O comandante-em-chefe não pode tomar já parte direta na ação e limita-se a emitir as medidas gerais que fazem mover as massas. Eis o que se passa exatamente com qualquer reunião de indivíduos associados numa ação comum, quer seja um empreendimento agrícola, comercial ou de qualquer outra espécie.
Assim, pois, sem separar artificialmente as partes que formam o cone, e se confundem entre si, isto é, as patentes do exército ou títulos e situações de qualquer organização coletiva, depreende-se da lei que os homens, para levarem a bom termo uma obra de iniciativa comum, combinam de tal sorte a ação que empreendem que quanto mais direta é a parte que tomam nessa obra menos têm que dar ordens e tanto mais numerosos são. Quanto menos nela participam diretamente tanto mais ordens dão, e erguendo-se, assim, desde as camadas inferiores, chega-se a um único e derradeiro indivíduo, que participa diretamente na obra menos que todos os outros e mais do que nenhum exerce a sua influência por meio de ordens.
Esta é a relação entre os homens que comandam e aqueles que recebem as ordens, relação que constitui a essência do conceito chamado poder.

Tolstoi, Leon (1828-1910)

Guerra e Paz. Tradução de João Gaspar Simões. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1976. p 1530

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