Todo o exército se compõe de membros os
mais humildes na hierarquia militar, soldados rasos, sempre o maior número, de
outros, de patente mais elevada, os cabos, os sargentos, menos numerosos, e
ainda de outros de patente mais elevada, menos numerosos ainda, e assim por
diante até a mais alta autoridade militar, a qual é constituída apenas por uma
só pessoa.
A organização do exército poder-se-ia
perfeitamente representar por um cone cujo maior diâmentro seria ocupado pelo
soldado raso, as secções menores, ocupadas pelas patentes sucessivamente mais
elevadas, até ao topo do cone, onde estaria o general-em-chefe.
Os soldados, que são os mais numerosos,
formam a parte inferior e a base. É o soldado, diretamente, quem fere, corta,
queima, saqueia, e para executar estas tarefas recebe sempre ordens dos que
estão situados na escala acima; o soldado raso, por si, nunca dá ordens. Os
sargentos, menos numerosos, raramente executam a mesma tarefa que o soldado
raso; mas já dão ordens. O oficial mais raramente age, e dá mais ordens. O
general limita-se a dizer às tropas que marchem e quase nunca se utiliza de
suas próprias armas. O comandante-em-chefe não pode tomar já parte direta na
ação e limita-se a emitir as medidas gerais que fazem mover as massas. Eis o
que se passa exatamente com qualquer reunião de indivíduos associados numa ação
comum, quer seja um empreendimento agrícola, comercial ou de qualquer outra
espécie.
Assim, pois, sem separar artificialmente as
partes que formam o cone, e se confundem entre si, isto é, as patentes do
exército ou títulos e situações de qualquer organização coletiva, depreende-se
da lei que os homens, para levarem a bom termo uma obra de iniciativa comum, combinam
de tal sorte a ação que empreendem que quanto mais direta é a parte que tomam
nessa obra menos têm que dar ordens e tanto mais numerosos são. Quanto menos
nela participam diretamente tanto mais ordens dão, e erguendo-se, assim, desde
as camadas inferiores, chega-se a um único e derradeiro indivíduo, que
participa diretamente na obra menos que todos os outros e mais do que nenhum
exerce a sua influência por meio de ordens.
Esta é a relação entre os homens que
comandam e aqueles que recebem as ordens, relação que constitui a essência do
conceito chamado poder.
Tolstoi, Leon (1828-1910)
Guerra e Paz.
Tradução de João Gaspar
Simões. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1976. p 1530
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