domingo, 17 de outubro de 2021

Visita à fábrica de latão

Imagino que se alguém escutasse no rádio algo como “visita à fabrica de latão”, iria pensar: “mais uma daquelas ideias idiotas. É impossível descrever um lugar como esse, é preciso ir lá e ver de perto”. Se o nosso ouvinte ainda não girou o botão desligando o rádio, peço a ele um pouco mais de paciência, pois é exatamente a ele que vou me dirigir.

Uma coisa devo admitir logo de início: só é possível descrever uma pequena parte do que se vê. Ainda não nasceu o escritor ou o poeta capaz de descrever, de forma que o leitor possa imaginar do que se trata, um cilindro laminador ou uma tesoura rolante, uma prensa de extrusão ou um laminador a frio de alta potência. Talvez um engenheiro pudesse. Mas ainda assim, ele faria um desenho. E o observador? Penso aqui em um de vocês, por exemplo, que chegasse à fábrica de latão Hirsch-Kupfer em Eberswalde e ficasse diante de uma destas máquinas que têm nomes quase impronunciáveis. O que ele veria ali? Muito simples: nem mais nem menos do que eu posso descrever aqui com palavras. Ou seja, nada. Pois qual seria o interesse de descrever essas máquinas por fora? Elas não são feitas para serem vistas, a não ser por alguém que, conhecendo perfeitamente seu mecanismo, seu desempenho e sua finalidade, saiba exatamente o que precisa verificar ali. Só podemos compreender exatamente o que se passa no exterior, se conhecemos o interior; isso vale tanto para as máquinas quanto para os seres vivos.

Mas vocês não vão conhecer uma máquina por dentro ficando simplesmente parados na frente dela. Vamos imaginar que vocês estivessem em um daqueles pavilhões gigantescos: já seria interessante ver como a mistura que será transformada em latão é despejada nos fornos, como as placas de latão vão saindo dali, como as chapas entram no laminador, grossas e curtas, e saem finas e longas, como os pequenos cilindros redondos são introduzidos automaticamente na prensa e saem do outro lado na forma de longos tubos bem acabados. Tudo isso vocês iriam ver. Mas não veriam como tudo funciona e, com o barulho monstruoso das máquinas trabalhando, das gruas se deslocando e das cargas caindo ao chão, ninguém poderia explicar a vocês.

Por isso, pode-se dizer: quanto mais se quer familiarizar-se com os diversos processos de uma fábrica tão colossal e ter a chance de compreender um pouco do que se passa, se um dia há a oportunidade de uma visita, tanto mais se deve recuar a vista. Vamos fazer como se nossos poucos minutos no rádio fossem a gôndola de um balão, da qual captamos lá de cima um panorama do funcionamento da fábrica de latão Hirsch-Kupfer, selecionando os pontos centrais que a nossa inteligência deve primeiramente abranger, para então alcançar uma visão do todo. Ainda assim, nossa dificuldade será bem grande. Pois esses pontos são vários. Para começar tem a ciência, tudo o que a física e a química têm a nos dizer sobre o latão.[   ] Ou nós podemos olhar a coisa por outro lado: o que uma fábrica como essa precisa produzir para alcançar boas vendas? O que é fabricado ali? [...] Ou um outro ponto central: como nasce uma gigantesca empresa como esta, que possui aproximadamente 2000 trabalhadores e cerca de 400 funcionários em sua fábrica? [...] Temos que seguir assim com os pontos centrais para tentar abranger o que, talvez, se poderia entender como o todo.

 

 

Walter Benjamin (1892-1940)

 

A hora das crianças: narrativas radiofônicas de Walter Benjamin. Tradução de Aldo Medeiros. Rio de Janeiro: Nau Ed., 2015. p 107-109

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Sertanejo

 

Sou matuto sertanejo

Daquele matuto pobre

Que não tem gado nem quêjo

Nem oro, prata nem cobre

Sou sertanejo rocêro

Eu trabalho o dia inteiro

Que seja inverno ou verão

Minha mão é calejada

Minha peia é bronzeada

Da quentura do sertão.

 

 

 

Patativa de Assaré (1909-2002)

 

 

Carvalho, Gilmar de. Patativa do Assaré: um poeta cidadão. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p 21.

 

Um lenhador

 

Kasimir Malevich ( 1879-1935)