Era
uma moça morena, maltrapilha; tinha o ar tímido e áspero que a miséria e o
isolamento conferem. Teria sido bonita se as dificuldades e as fadigas não lhe
tivessem alterado profundamente não apenas a suavidade dos traços de mulher mas
diria até a forma humana. Seus cabelos eram negros, espessos, desgrenhados,
presos apenas com um barbante; tinha dentes brancos como marfim e um charme
algo grosseiro nos traços que tornava seu sorriso atraente. Tinha olhos negros
e grandes, imersos num fluido azulado, que até uma rainha invejaria essa
infeliz criatura encolhida no último degrau da escala humana, se não fossem
ofuscados pela sombria timidez da miséria ou não tivessem o ar vago que a
resignação triste e constante lhes dava. Seus membros, esmagados por pesos
enormes ou brutalmente desenvolvidos por esforços penosos tornaram-se
grosseiros sem serem robustos. Trabalhava como servente de pedreiro, quando não
carregava pedras dos terrenos alqueivados, levava cargas para a cidade por
conta de outros, ou fazia o tipo de trabalho mais pesado que, naquela região,
era tido como inferior às funções do homem. A vindima, a ceifa, a colheita de
azeitonas para ela eram uma festa, eram dias de folia, um passatempo e não uma
fadiga. É verdade que lhe rendiam apenas a metade de uma boa diária de
servente: eram treze boas moedas! Os trapos sobrepostos à guisa de roupa
tornavam grotesca aquela que deveria ser uma delicada beleza de mulher. A
imaginação mais viva não poderia conceber que essas mãos forçadas pela áspera
fadiga de todos os dias, a raspar no gelo e na terra em brasa, ou entre os
espinhais e as rachas, que esses pés nus habituados a pisar na neve e nas
rochas queimadas de sol, a se lacerarem sobre os espinhos ou a se endurecerem
sobre as pedras, pudessem ter sido bonitos. Ninguém saberia dizer quantos anos
teria essa criatura de Deus; a miséria a esmagara desde criança com todas as
privações que deformam e endurecem o corpo, a alma e a inteligência.
Verga, Giovanni (1840-1922)
Conto de Cenas de
vida siciliana. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2001.p 25
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