sábado, 19 de maio de 2018

Trabalho pesado


Era uma moça morena, maltrapilha; tinha o ar tímido e áspero que a miséria e o isolamento conferem. Teria sido bonita se as dificuldades e as fadigas não lhe tivessem alterado profundamente não apenas a suavidade dos traços de mulher mas diria até a forma humana. Seus cabelos eram negros, espessos, desgrenhados, presos apenas com um barbante; tinha dentes brancos como marfim e um charme algo grosseiro nos traços que tornava seu sorriso atraente. Tinha olhos negros e grandes, imersos num fluido azulado, que até uma rainha invejaria essa infeliz criatura encolhida no último degrau da escala humana, se não fossem ofuscados pela sombria timidez da miséria ou não tivessem o ar vago que a resignação triste e constante lhes dava. Seus membros, esmagados por pesos enormes ou brutalmente desenvolvidos por esforços penosos tornaram-se grosseiros sem serem robustos. Trabalhava como servente de pedreiro, quando não carregava pedras dos terrenos alqueivados, levava cargas para a cidade por conta de outros, ou fazia o tipo de trabalho mais pesado que, naquela região, era tido como inferior às funções do homem. A vindima, a ceifa, a colheita de azeitonas para ela eram uma festa, eram dias de folia, um passatempo e não uma fadiga. É verdade que lhe rendiam apenas a metade de uma boa diária de servente: eram treze boas moedas! Os trapos sobrepostos à guisa de roupa tornavam grotesca aquela que deveria ser uma delicada beleza de mulher. A imaginação mais viva não poderia conceber que essas mãos forçadas pela áspera fadiga de todos os dias, a raspar no gelo e na terra em brasa, ou entre os espinhais e as rachas, que esses pés nus habituados a pisar na neve e nas rochas queimadas de sol, a se lacerarem sobre os espinhos ou a se endurecerem sobre as pedras, pudessem ter sido bonitos. Ninguém saberia dizer quantos anos teria essa criatura de Deus; a miséria a esmagara desde criança com todas as privações que deformam e endurecem o corpo, a alma e a inteligência.

 Verga, Giovanni (1840-1922)

 Conto de Cenas de vida siciliana. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2001.p 25





Nenhum comentário:

Postar um comentário