domingo, 20 de maio de 2018

Canavial e engenho

 Um canavial, na minha opinião, não é propriamente alegre. Vi alguns no Haiti, que diziam ser mal assombrados: recordo-me da terra vermelha de um caminho revolvido e esburacado e a podridão poeirenta das canas ao sol.
Torno a contemplar em Cuba, com o mesmo respeito, a barreira impenetrável dos caules: apertam-se uns contra os outros, abraçam-se, entrelaçam-se. E de repente se descobre entre eles uma passagem, um túnel negro, alto e profundo.
Todos os matizes do verde- o verde sombrio, o verde ácido, o verde-couve, o verde cru, o verde-cinza- sempre agressivos, estendem-se a perder de vista. Cada ano se corta a cana, que torna a crescer durante sete anos. Essa violência, essa obstinação na fecundidade me dão aqui, como no Haiti, a sensação de assistir à cerimônias de um mistério vegetal.
O engenho fica a dois passos. Fui. Os engenhos de açucar, espalhados por tôda a ilha, ficam longe das cidades, na vizinhança das plantações. Aí se fabrica esse produto semi-elaborado, o açucar bruto.
Na entrada, o trabalho agrícola perde seus direitos, seu epílogo sendo uma confusão: carretas de bois, caminhões, derrubam as canas sobre um tapete rolante: um movimento brusco, uma queda desordenada de caules esverdeados e sujos; nuvens de moscas se precipitam atrás deles no fosso, e a esteira sem fim eleva todo este verdor para a primeira metamorfose, até os rolos de ferro encarregados de moer. Recolhe-se um caldo turvo, a garapa, e encaminha-se o bagaço para as caldeiras que ele próprio alimenta: em princípio, extrai-se da cana o açucar e o combustível necessário à sua produção.
Percorri um engenho, quente como um forno; suando, perseguido pelas moscas, assisti, através de uma janelinha, às transformações da seiva da cana; vi a evaporação do líquido, as ondas pastosas do melaço: no fundo de um cubo ou tacho, um prato girando sobre si mesmo, utilizando a força centrífuga para uma última purificação. Tudo termina pelo ensacamento de critais úmidos, pardos e sem brilho. Os sacos foram levados, imagino, ao porto mais próximo; foram amontoados nos navios. Mas isso me bastava. Afastei-me dalí.
Mais do que o calor, foi o cheiro que me aniquilou: um cheiro animal, como se o açucar fosse ao mesmo tempo uma seiva e uma secreção.
Esse cheiro não me deixou durante todo o dia, saturando-me as fossas nasais e o fundo da boca, açucarando a carne e o arroz, o cigarro e até o cachimbo. Conserva a insipidez de uma destilação natural; mas sua viscosidade um pouco queimada evoca o cozimento, as várias fases do trabalho.
É o que convém, em suma, a um produto semi-elaborado, em plena metamorfose. As grandes refinarias dos Estados Unidos- as que recebem essa areia úmida da qual fazem cubinhos de açucar branco- tenho certeza de que elas não têm odor. Em Cuba, quase não se refina: esse odor potente e demasiadamente orgânico é seu próprio odor. É ele que os cubanos sentem no fundo de suas gargantas, quando consomem esse subproduto pálido e fresco de sua principal indústria, a garapa.

Sartre, Jean-Paul (1905-1980)
Furacão sobre Cuba. 2 edição. Rio de Janeiro: Editora do Autor, sem data. p 29-30

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