Não acredito que a palavra
improvisação tenha a menor ligação com o processo de criação artística. É um
termo absolutamente inadequado e até irritante. Não falarei de uma improvisação
mas de uma disponibilidade. Diria que
é necessário ficar disponível para a coisa que está nascendo e que ainda é
informe, magmática, não definida, e que o criador, que é chamado para
materializar, definir, propor por um certo mundo confuso, um certo sentimento
que pertence a uma certa dimensão, que é chamado a pintar esse quadro, a compor
essa ópera, a escrever esse livro, a fazer esse filme, deve conservar uma certa
disponibilidade. Eis a palavra. Ficar disponível para tudo que esse fantasma,
essa criatura que começa a aparecer sugere. Não se entorpecer na pretensão de
querer criar exatamente tal como se imaginou, segundo os esquemas, os
parâmetros de sua própria cultura, de sua própria ignorância, de sua própria
ideologia, política ou estética, mas se entregar, confiante, às sugestões que a
criatura pode fazer, mesmo através de incidentes - a doença de um ator que
desaparece, com o qual não podemos mais contar, uma desavença ainda mais
violenta com o produtor, o fato de você mesmo cair doente - tudo pode ser
interpretado em seguida como pausas, contrariedades necessárias, porque você
não teria pensado nisso se não tivesse tido essa disponibilidade, esse ouvido,
esse olho atento ao processo que se define dia após dia. Como já disse
seguidamente, nas duas primeiras semanas sou eu que dirijo o filme, em seguida
é o filme que me dirige. Acredito profundamente nisso, apesar dos limites que
impõe, e de que tenho consciência. É um pouco paradoxal, mas é o que penso.
Federico Fellini (1920-1993)
Eu sou um
grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Tradução de Fernanda Borges e Roberto Paulino. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p 77.
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