sexta-feira, 29 de junho de 2018

Trabalhador e poesia


Doce é projetar, rude é cumprir. Por isso não se publicou ainda a antologia brasileira de poesia social, que o autor destas linhas levou dois anos a compor, caceteando feio e forte amigos daqui e de São Paulo. Lidas algumas centenas de volumes, sobraram uns tantos poemas, que pareceram bons ou passáveis, e foram organizados segundo o plano da obra. Restava juntar-lhes notas explicativas. Não juntei. Os originais formam um bolo bastante incômodo, na gaveta, e cada vez que olho para esse bolo, me pergunto: Valerá a pena?
[...] Ao coligir o material da obra, notei a relativa escassez de poemas inspirados nas técnicas de trabalho e na personalidade dos trabalhadores. Boa parte de nossa poesia social fica em declaração de princípios, isto é, não chega a produzir-se.
[...] Quando se dispões a cantar a vida ou o tipo de ocupação dos trabalhadores, nossos poetas demonstram preferir a generalidade, ou, quando muito, aqueles tipos que encerram um símbolo evidente. De ordinário cantam simplesmente o trabalho, ou o trabalhador em geral, uma espécie abstrata de trabalhador.



Drummond de Andrade, Carlos (1902-1987)


 Poesia e prosa em um volume. Rio de janeiro: Edição Aguilar, 1979. p 999-1000.


Nenhum comentário:

Postar um comentário