domingo, 1 de julho de 2018

O etnógrafo

Imagine-se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa praia tropical próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha ou o barco que o trouxe afastar-se no mar e desaparecer de vista.
[...] Imagine-se entrando pela primeira vez na aldeia, sozinho ou acompanhado de seu guia branco. Alguns dos nativos se reúnem ao seu redor- principalmente quando sentem cheiro de tabaco. Outros, os mais velhos e de maior dignidade, continuam sentados onde estão. Seu guia branco possui uma rotina própria para tratar os nativos; ele não compreende e nem se preocupa muito com a maneira como você, o etnógrafo, terá de aproximar-se deles.
[...] As informações que me foram dadas por alguns dos moradores brancos do distrito, apesar de válidas para o meu trabalho, eram ainda muito decepcionantes. Os brancos, não obstante seus longos anos de contato com os nativos, e apesar da excelente oportunidade de observá-los ou comunicar-se com eles, quase nada sabiam sobre eles. [...] Além disso, o modo como meus informantes brancos se referiam aos nativos e expressavam suas opiniões revelava, naturalmente, mentes não disciplinadas e, portanto, não acostumadas a formular seus pensamentos com precisão e coerência. Ainda mais, em sua maioria, como era de esperar, esses homens tinham preconceitos e opiniões já sedimentadas, coisas essas inevitáveis no homem comum, seja ele administrador, missionário ou negociante, mas repulsivas àqueles que buscam uma visão objetiva e científica da realidade.



Malinowski, Bronislaw Kasper (1884-1942)


Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. Tradução de Anton P. Carr e Lígia Aparecida Cardieri Mendonça. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p 19-20.


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