domingo, 10 de junho de 2018

Começo com um título

Geralmente começo com um título. Primeiro encontro o título. Geralmente encontro títulos muito bons - as pessoas me invejam por isso e não só me invejam, um bom número de escritores me procura para pedir um título. Quando tenho meu título, me entrego à reflexão. As coisas vão se acumulando. Produz-se uma cristalização, tanto consciente como inconsciente, em torno do título e não escrevo nada enquanto não sei tudo sobre meus personagens, desde o dia em que nasceram até o dia de sua morte, e enquanto não consigo fazer com que eles se desenvolvam em todas as circunstâncias possíveis e imagináveis, de acordo com sua personalidade e situações fictícias ou reais. Isso pode levar anos. Faço anotações. Assim, crio dossiês repletos de notas, e esboços. Dossiês imaginários, não verídicos. Documentação verídica me deixa entediado.
[...] Escrever...é uma profissão ingrata; com toda sinceridade, traz pouca satisfação. É excepcional ser capaz de dizer a si mesmo: "Não está tão ruim, Blaise, até que ficou muito bom." Tem-se essa satisfação muito raramente porque, quando se publica um livro, a gente pensa principalmente em tudo o que deixou de fazer, tudo que não colocou nele, tudo que queria ter colocado, tudo que acrescentaria para que ficasse completo porque é tão difícil delimitar as coisas com a escrita e dizer tudo em palavras. Quando livro está pronto, fica-se inevitavelmente decepcionado.

                        Cendrars, Blaise (1887-1961)


                        Os escritores, 2. As históricas entrevistas da Paris Review; tradução de Luiza Helena Martins Correia [et al.] São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p 103 e 106

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