Igual aos hambúrgueres, também sou
embrulhado com as embalagens da casa: boné, camiseta e calça. Nos três, o
logotipo McDonald’s. Só falta me colocarem na grelha. A calça não tem bolsos.
Se recebo alguma gorjeta, corro a mão inutilmente pela costura lateral até que, por fim, coloco o dinheiro exatamente onde a empresa quer tê-lo: dentro da
caixa registradora. O golpe de mestre da calça sem bolsos também impede que
tenhamos um lenço. Portanto, se “o nariz escorrer”, vai escorrer por cima dos hambúrgueres
ou provocar chiados sobre a grelha a cada pingo.
O gerente logo se mostra satisfeito comigo,
elogiando meu trabalho e minha destreza em virar os hambúrgueres na chapa.
-Você faz isso muito bem! E rápido! A maioria
comete erros enormes quando está começando.
-Acho que porque eu faz esporte - digo-lhe.
-Qual?
-Pingue-pongue.
O hambúrguer é uma rodela de carne marrom e
suada, com 98 milímetros de diâmetro, no mínimo, e de 125 a 145 gramas de peso.
Atirado na chapa, pula como uma ficha de plástico. Congelado, estala como uma
moeda ao bater num vidro. Depois de frito, tem, no máximo, dez minutos “de vida”;
porém, na maioria das vezes fica muito mais tempo nos balcões. Se o deixam
degelar, começa a cheirar mal. Por isso é que, ainda congelado, jogam-no
imediatamente na chapa. Depois, é recoberto com os conhecidos condimentos e
ingredientes, colocados entre duas fatias de pão esponjoso e embalado em
isopor. “Há muito de gracioso na silhueta delicadamente abobadada de um pãozinho
de hambúrguer! Perceber tal coisa requer um estado de espírito muito especial!”,
afirma, com seriedade, Ray Kroc, o fundador da empresa.
O local de trabalho, atrás do balcão, é
estreito; o chão, engordurado e escorregadio; e a chapa mantém permanentemente
uma temperatura de 180 graus. Não há medida de segurança. Na realidade, deveríamos
usar luvas – pelo menos é o que prevêem as normas de segurança. Mas não temos
luva nenhuma: diminuiria o ritmo de nossa atividade. Muitas pessoas que
trabalham ou trabalharam aqui têm ferimentos e cicatrizes de queimaduras. Pouco
antes de eu começar neste emprego, um dos colegas foi levado para o hospital
porque, na pressa, tinha colocado a mão direto na grelha. Logo na primeira
noite, ganhei alguma bolhas de queimadura, graças à gotas de óleo fervente que
espirram da chapa.
[...] Nas horas de pico, o trabalho é
febril; formam-se filas diante do balcão. Por todos os lados ouço gritos para
andarmos mais depressa. Com tanta agitação, penso que seria mais produtivo
retirar os hambúrgueres um pouco antes do tempo. Mas o gerente, o único que não
usa boné, repreende-me:
-Você não tem que pensar em absolutamente
nada. As máquinas se encarregam disso. Portanto, só retire o hambúrguer quando
a máquina apitar. Não queira se antecipar.
Faço como ele diz. Não se passam nem cinco
minutos e ele volta.
-Por que está demorando tanto?
-Senhor disse máquina pensa e eu espera.
-Você espera, mas os fregueses não! Acha
que devem esperar?
-Mas quem é decide? Senhor ou máquina? Como
eu vai saber? Eu faz como...
-Espere até a máquina apitar, entendeu?
-Sim.
A palavra de ordem por aqui é serviço rápido.
O “objetivo final” é que “ninguém fique esperando”.
Wallraff, Günter (1942-)
Cabeça de turco. 9 edição. Tradução
de Nicolino Simone Neto. Rio de Janeiro: Globo, 1989. p 38,39,41
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