quarta-feira, 20 de junho de 2018

Uma imagem visual


Quando comecei a escrever histórias fantásticas, ainda não me colocava problemas teóricos, a única coisa de que estava seguro era que na origem de cada um dos meus contos havia uma imagem visual. Por exemplo, uma dessas imagens era a de um homem cortado em duas metades que continuavam a viver independentemente; outro exemplo poderia ser o do rapaz que trepa numa árvore e depois vai passando de uma a outra sem nunca mais tocar os pés no chão; outra ainda: uma armadura vazia que se movimenta e fala como se alguém estivesse dentro dela.
[...] A primeira coisa que me vem à mente na idealização de um conto é, pois, uma imagem que, por uma razão qualquer, apresenta-se a mim carregada de significado, mesmo que eu não o saiba formular em termos discursivos ou conceituais. A partir do momento que a imagem adquire uma certa nitidez em minha mente, ponho-me a desenvolvê-la numa história ou melhor, são as próprias imagens que desenvolvem suas potencialidades implícitas, o conto que trazem dentro de si. Em torno de cada imagem escondem-se outras, forma-se um campo de analogias, simetrias e contraposições. Na organização desse material, que não é apenas visual mas igualmente conceitual, chega o momento em que intervém minha intenção de ordenar e dar um sentido ao desenrolar da história - ou antes, o que faço são procurar os significados que podem ser compatíveis ou não com o desígnio geral que gostaria de dar à história, sempre deixando certa margem de alternativas possíveis. Ao mesmo tempo, a escrita, a tradução em palavras adquire cada vez mais importância; direi que a partir do momento em que começo a por o preto no branco é a palavra escrita que conta: à busca de um equivalente da imagem visual se sucede o desenvolvimento coerente da importação estilística inicial, até que pouco a pouco a escrita se torna dona do campo. Ela é que irá guiar a narrativa da direção em que a expressão verbal flui com mais facilidade, não restando à imaginação visual senão seguir atrás.



Calvino, Ítalo (1923-1985)


Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. 3 edição, 12 reimpressão. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990

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