É fato digno de nota a extraordinária
desproporção entre as conseqüências de uma invenção e a própria invenção. Dissemos
que a inteligência é modelada sobre a matéria e que ela visa primeiramente a
fabricação. Mas fabricará por fabricar, ou acaso não procurará, involuntária e
mesmo inconscientemente, algo inteiramente diverso? Fabricar consiste em dar
forma à matéria, torná-la plástica e dobrá-la, convertê-la em instrumento a fim
de ter domínio sobre ela. Esse domínio é
que aproveita à humanidade, muito mais ainda que o resultado material da
própria invenção. Se colhemos uma vantagem imediata do objeto fabricado, como o
poderia fazer um animal inteligente, se mesmo essa vantagem fosse tudo o que o
inventor procurasse, pouco significaria em comparação com idéias novas,
sentimentos novos que a invenção pode fazer surgir sob todos os aspectos, como
se tivesse por efeito essencial elevar-nos acima de nós mesmos e, com isso,
ampliar nosso horizonte. Entre o efeito e a causa, a desproporção, no caso, é
tão grande que é difícil tomar a causa por ocasionadora
de seu efeito. Ela o desencadeia,
atribuindo-lhe, é certo, sua direção. Tudo se passa, enfim, como se o domínio
da inteligência sobre a matéria tivesse por principal objeto deixar passar alguma coisa que a matéria
prende.
Bergson, Henri (1859-1941)
Cartas, conferências e outros
escritos. 2 edição. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva, Nathanael Caxeiro. São
Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 204.
(Os pensadores)
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