sexta-feira, 15 de junho de 2018

Invenção


É fato digno de nota a extraordinária desproporção entre as conseqüências de uma invenção e a própria invenção. Dissemos que a inteligência é modelada sobre a matéria e que ela visa primeiramente a fabricação. Mas fabricará por fabricar, ou acaso não procurará, involuntária e mesmo inconscientemente, algo inteiramente diverso? Fabricar consiste em dar forma à matéria, torná-la plástica e dobrá-la, convertê-la em instrumento a fim de ter domínio sobre ela. Esse domínio é que aproveita à humanidade, muito mais ainda que o resultado material da própria invenção. Se colhemos uma vantagem imediata do objeto fabricado, como o poderia fazer um animal inteligente, se mesmo essa vantagem fosse tudo o que o inventor procurasse, pouco significaria em comparação com idéias novas, sentimentos novos que a invenção pode fazer surgir sob todos os aspectos, como se tivesse por efeito essencial elevar-nos acima de nós mesmos e, com isso, ampliar nosso horizonte. Entre o efeito e a causa, a desproporção, no caso, é tão grande que é difícil tomar a causa por ocasionadora de seu efeito. Ela o desencadeia, atribuindo-lhe, é certo, sua direção. Tudo se passa, enfim, como se o domínio da inteligência sobre a matéria tivesse por principal objeto deixar passar alguma coisa que a matéria prende.


Bergson, Henri (1859-1941)


Cartas, conferências e outros escritos. 2 edição. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva, Nathanael Caxeiro. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 204.
(Os pensadores)

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