Os filósofos que especularam sobre a
significação da vida e sobre o destino do homem não notaram suficientemente que
a natureza deu-se ao trabalho de nos informar por si própria acerca disso. Ela
nos adverte, por um signo preciso, que nosso destino foi atingido. Este signo é
a alegria. Digo alegria, não digo prazer. O prazer é apenas um artifício
imaginado pela natureza para obter do ser vivo a conservação da vida; não
indica a direção em que a vida se lançou. Mas a alegria indica sempre que a
vida triunfou, que ela ganhou terreno, que ela alcançou uma vitória: toda
alegria verdadeira possui um acento triunfal. Ora, se levamos em conta esta
indicação e seguimos esta nova linha de fatos, vemos que sempre que há alegria
há criação: quanto mais rica for a criação, mais profunda será a alegria. A mãe
que olha seu filho experimenta alegria, pois tem a consciência de haver criado,
física e moralmente. O comerciante que vê prosperar seus negócios, o gerente
que vê prosperar sua indústria, experimentam alegria em razão do dinheiro que
ganham e da notoriedade que adquirem? Riqueza e consideração importam bastante,
evidentemente, mas trazem mais prazer do que alegria, e o que eles gozam da
alegria verdadeira é o sentimento de ter montado uma empresa que prospera, de
ter chamado alguma coisa à vida. Tomemos alegrias excepcionais, a do artista
que realizou seu pensamento, a do cientista que descobriu ou inventou. Ouvimos
dizer que estes homens trabalham para glória e que extraem suas mais vivas
alegrias da admiração que inspiram. Profundo erro! Atemo-nos aos elogios e às
honras na exata medida em que não estamos certos de ter triunfado. Há modéstia
no fundo da vaidade. É para obter segurança que buscamos a aprovação, e é para
sustentar a vitalidade talvez insuficiente da obra que desejaríamos rodeá-la de
fervorosa admiração dos homens, como colocamos na estufa a criança que nasceu
prematuramente. Mas aquele que está certo, absolutamente certo, de ter
produzido uma obra viável e durável, este não tem mais nada a fazer com os
elogios e sente-se acima da glória, porque é criador, porque o sabe e porque a
alegria que experimenta é divina.
Bergson, Henri (1859-1941)
Cartas, conferências e outros
escritos. 2 edição. Tradução de Franklin Leopoldo e Silva, Nathanael Caxeiro. São
Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 80.
(Os pensadores)
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