Sherlock Holmes:- Eu tenho o meu ofício.
Suponho, aliás, que seja único em todo mundo. Sou um detetive de consultas, se
compreende o que estou dizendo. Aqui em Londres, temos uma grande quantidade de
detetives oficiais e particulares. Quando esses cavalheiros ficam desorientados
vêm à minha procura, eu trato de pô-los na pista certa. Expõem-me todos os
indícios, e eu, geralmente, com a ajuda dos meus conhecimentos da história
criminal, aponto as suas falhas e esclareço-os. Entre os delitos há um
acentuado ar de parentesco, e quem possui todos os pormenores a respeito de mil
deles dificilmente falhará ao desvendar o milésimo primeiro. Lestrade é um
detetive muito conhecido. Recentemente ficou às cegas num caso de falsificação
e foi isso que o trouxe aqui.
Dr. Watson:- E as outras pessoas?
Sherlock Holmes:- Na maior parte são
mandadas por agências particulares de detetives. Trata-se de gente que tem uma
dificuldade qualquer e precisa de esclarecimentos.
Dr. Watson:- Em outras palavras, você
afirma que, sem sair do seu quarto, é capaz de desatar certos nós que outros
homens não conseguem desfazer apesar de terem visto todos pormenores com seus
próprios olhos?
Sherlock Holmes:- Exatamente. Tenho uma
certa intuição nesse sentido. De quando em quando surge um caso mais complexo
do que os outros. Só então é que preciso andar um pouco por aí a fim de ver as
coisas de perto. Como vê, disponho de conhecimentos especiais que aplico aos
problemas surgidos, conhecimentos que facilitam maravilhosamente a minha
tarefa. Essas regras de dedução expostas no artigo que provocou seu desprezo
são-me preciosas, e eu as aplico praticamente no meu trabalho. A observação é
uma segunda natureza em mim. Você ficou surpreso quando eu lhe disse, ao vê-lo
pela primeira vez, que voltara do Afeganistão.
Dr. Watson:- Foi informado, sem dúvida.
Sherlock Holmes:- Nada disso. Eu vi que
você voltava do Afeganistão. Devido a um longo hábito, a concatenação do
raciocínio é tão rápida no meu espírito que cheguei àquela conclusão sem ter
consciência dos elos intermediários. Mas esses elos lá estavam. E o fio que meu
raciocínio seguiu foi mais ou menos este: "Eis aqui um cavalheiro com ar
de médico, mas ao mesmo tempo com gestos de militar. É evidentemente um médico
do exército. Acaba de chegar dos trópicos, porque tem o rosto amorenado, e essa
não é a cor natural da sua pele, visto que os punhos são brancos. Sofreu
privações e enfermidades, conforme o demonstra o rosto emaciado. Além do mais,
recebeu um ferimento no braço esquerdo, visto que o mantém numa posição rígida
e pouco natural. Em que lugar dos trópicos um médico do exército inglês poderia
ter passado por tantas dificuldades e ser ferido no braço? No Afeganistão,
naturalmente". Toda esta série de raciocínios não ocupou mais do que um
segundo. Observei-lhe, consequentemente, que você regressava do Afeganistão e
vi a sua surpresa.
Conan Doyle (1859-1930)
As
aventuras de Sherlock Holmes. Um estudo em vermelho. São Paulo: Círculo do
Livro, S/ data. p 23-24
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