quarta-feira, 20 de junho de 2018

Diálogo entre Sherlock Holmes e Watson


Sherlock Holmes:- Eu tenho o meu ofício. Suponho, aliás, que seja único em todo mundo. Sou um detetive de consultas, se compreende o que estou dizendo. Aqui em Londres, temos uma grande quantidade de detetives oficiais e particulares. Quando esses cavalheiros ficam desorientados vêm à minha procura, eu trato de pô-los na pista certa. Expõem-me todos os indícios, e eu, geralmente, com a ajuda dos meus conhecimentos da história criminal, aponto as suas falhas e esclareço-os. Entre os delitos há um acentuado ar de parentesco, e quem possui todos os pormenores a respeito de mil deles dificilmente falhará ao desvendar o milésimo primeiro. Lestrade é um detetive muito conhecido. Recentemente ficou às cegas num caso de falsificação e foi isso que o trouxe aqui.

Dr. Watson:- E as outras pessoas?

Sherlock Holmes:- Na maior parte são mandadas por agências particulares de detetives. Trata-se de gente que tem uma dificuldade qualquer e precisa de esclarecimentos.

Dr. Watson:- Em outras palavras, você afirma que, sem sair do seu quarto, é capaz de desatar certos nós que outros homens não conseguem desfazer apesar de terem visto todos pormenores com seus próprios olhos?

Sherlock Holmes:- Exatamente. Tenho uma certa intuição nesse sentido. De quando em quando surge um caso mais complexo do que os outros. Só então é que preciso andar um pouco por aí a fim de ver as coisas de perto. Como vê, disponho de conhecimentos especiais que aplico aos problemas surgidos, conhecimentos que facilitam maravilhosamente a minha tarefa. Essas regras de dedução expostas no artigo que provocou seu desprezo são-me preciosas, e eu as aplico praticamente no meu trabalho. A observação é uma segunda natureza em mim. Você ficou surpreso quando eu lhe disse, ao vê-lo pela primeira vez, que voltara do Afeganistão.

Dr. Watson:- Foi informado, sem dúvida.

Sherlock Holmes:- Nada disso. Eu vi que você voltava do Afeganistão. Devido a um longo hábito, a concatenação do raciocínio é tão rápida no meu espírito que cheguei àquela conclusão sem ter consciência dos elos intermediários. Mas esses elos lá estavam. E o fio que meu raciocínio seguiu foi mais ou menos este: "Eis aqui um cavalheiro com ar de médico, mas ao mesmo tempo com gestos de militar. É evidentemente um médico do exército. Acaba de chegar dos trópicos, porque tem o rosto amorenado, e essa não é a cor natural da sua pele, visto que os punhos são brancos. Sofreu privações e enfermidades, conforme o demonstra o rosto emaciado. Além do mais, recebeu um ferimento no braço esquerdo, visto que o mantém numa posição rígida e pouco natural. Em que lugar dos trópicos um médico do exército inglês poderia ter passado por tantas dificuldades e ser ferido no braço? No Afeganistão, naturalmente". Toda esta série de raciocínios não ocupou mais do que um segundo. Observei-lhe, consequentemente, que você regressava do Afeganistão e vi a sua surpresa.

            Conan Doyle (1859-1930)


            As aventuras de Sherlock Holmes. Um estudo em vermelho. São Paulo: Círculo do Livro, S/ data. p 23-24

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