domingo, 10 de junho de 2018

Creio que escrevo bem rápido


Creio que escrevo bem rápido. Mas isso varia. Escrevo depressa por algum tempo; aí surgem frases em que fico atrapalhado e pode ser que demore uma hora escrevendo uma única página. Porém, isto é raro porque quando percebo que estou me atolando, pulo uma parte difícil e continuo; volto a ela no outro dia mais disposto.
[...] Nunca faço qualquer correção durante o processo da escrita. Digamos que escrevo uma coisa de qualquer jeito e então, depois que baixa a poeira, deixo-a descansar por algum tempo, talvez um mês ou dois - vejo-a com outros olhos. Aí, divirto-me a valer. Começo a trabalhar nela com a machadinha. Mas nem sempre. Às vezes sai quase como eu gosto
[...] Quando estou revisando, uso caneta e tinta para modificar, eliminar, inserir. Quando termino, o manuscrito está com uma aparência ótima, parece um Balzac. Depois disso, passo a limpo e, enquanto rebato, faço outras modificações. Prefiro rebater tudo eu mesmo, porque até quando acho que já fiz todas as modificações que queria, a simples tarefa mecânica de tocar as teclas aguça meus pensamentos e vejo-me revisando enquanto faço a versão definitiva.
[...] Cada pessoa tem seu próprio caminho. Afinal de contas, a maior parte dos escritos é feita longe da máquina de escrever, longe da escrivaninha. Eu diria que acontece nos momentos calmos e silenciosos, quando estamos caminhando, fazendo a barba, ou jogando uma partida, ou seja o que for, ou até conversando com alguém por quem não temos um interesse vital. A gente está trabalhando, a mente está trabalhando o problema que está em nosso íntimo. Assim, quando vamos para a máquina de escrever é apenas uma questão de transferência.

                Henry Miller (1891-1980)


                        Os escritores, 2. As históricas entrevistas da Paris Review; tradução de Luiza Helena Martins Correia [et al.] São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p 33, 34 e 35


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