Quando se corta a cana, se metem doze até
dezoito fouces no canavial, conforme for a cana grande ou pequena. E a que se
manda moer de uma vez se chama uma tarefa, que vem a ser vinte e quatro carros
de cana, tendo cada carro a justa medida de oito palmos de alto, e sete de
largo, capaz de mais ou menos feixes de cana, conforme ela for grande ou pequena,
porque menos feixes de cana grande bastam para fazer a tarefa e mais hão de ser
necessários se for cana pequena, pois a pequena ocupa menor lugar assim no
carro como no barco, e a grande ocupa em uma e outra parte, maior espaço, pelo
que tem de maior comprimento e grossura. Raro, porém, será o carro que traga
mais de cento e cinquenta feixes de cana, e os senhores dos partidos, pelos
cortes antecedentes, sabem muito bem quantas tarefas têm nos seus canaviais.
[...] Assim, os escravos como as escravas
se ocupam no corte da cana; porém, comumente os escravos cortam e as escravas
amarram os feixes. Consta o feixe de doze canas, e tem por obrigação cada
escravo cortar num dia sete mãos de dez feixes por cada dedo, que são trezentos
e cinquenta feixes e a escrava há de amarrar outros tantos com os olhos da
mesma cana; e, se lhes sobejar tempo, será para o gastarem livremente no que
quiserem. O que não se concede na limpa da cana, cujo trabalho começa desde o
sol nascido até o sol posto, como também em qualquer outra ocupação que se não dá
por tarefa. E o contar a tarefa do corte, como está dito, por mãos e dedos, é
para se acomodar à rudeza dos escravos boçais, que de outra sorte não entendem,
nem sabem contar.
O modo de cortar é o seguinte; pega-se com
a mão esquerda em tantas canas quantas pode abarcar, e com a direita armada de
fouce se lhe tira a palha, a qual se queima ou pela madrugada, ou já de noite,
quando, acalmando, o vento der para isso lugar, e serve para fazer a terra mais
fértil; logo, levantando mais acima a mão esquerda, botam-se fora com a fouce
os olhos da cana, e estes dão-se aos bois a comer; e, ultimamente, tornando com
a esquerda mais abaixo, corta-se rente ao pé, e quanto a fouce for mais
rasteira à terra, melhor. Quem segue ao que corta (que comumente é uma escrava)
ajunta as canas limpas, como está dito, em feixes, a doze por feixe, e com os olhos
dela os vai atando; e, assim atados, vão nos carros ao porto, ou se o engenho
for pela terra dentro, chega o carro à moenda.
Antonil, André João (1649-1716)
Cultura e opulência do Brasil. 2
edição. São Paulo: Melhoramentos; Brasília, INL, 1976, p 105-106
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