quarta-feira, 27 de junho de 2018

Conversa entre Graciliano Ramos e Joel Silveira


_Quem escreve deve ter muito cuidado para não escrever molhado. Uma página escrita não deve ficar pingando, como pano lavado estirado no varal. Deve-se escrever como as lavadeiras lá de Alagoas, particularmente as de Palmeira dos Índios, fazem com a roupa que estão lavando. Sabe como elas fazem?
_Não.
_Pois lhe conto. Elas começam dando uma primeira lavada. Molham o pano na beira do rio ou do riacho, torcem, molham novamente, torcem. Então botam o anil, ensaboam, torcem novamente, enxáguam, mais uma molhada, outra enxaguada. Em seguida põem-se a bater o pano na laje ou pedra limpa. E tome torcedura: torcem, até não pingar do pano uma só gota. E somente aí é que penduram a roupa na corda. Pois quem escreve devia fazer a mesma coisa. Enxaguar e enxaguar. Palavra não foi feita para enfeitar, como bandeirinha de festa de São João. Palavra foi feita para dizer.



 Graciliano Ramos  (1892-1953)



Relatórios. Organização de Mário Hélio Gomes de Lima. Rio de Janeiro: Record; Recife (PE): Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1994. p 17.

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