segunda-feira, 11 de junho de 2018

Feitores de escravos


Os braços de que se vale o senhor do engenho para o bom governo da gente e da fazenda, são os feitores. Porém, se cada um deles quiser ser cabeça, será o governo monstruoso e um verdadeiro retrato do cão Cérbero, a quem os poetas dão fabulosamente três cabeças. Eu não digo que se não dê autoridade aos feitores: digo que essa autoridade há de ser bem ordenada e dependente, não absoluta, de sorte que os menores se hajam com subordinação ao maior, e todos ao senhor a quem servem. Convém que os escravos se persuadam que o feitor-mor tem muito poder para lhes mandar e para os repreender e castigar quando for necessário, porém de tal sorte que também saibam que podem recorrer ao senhor e hão de ser ouvidos como pede a justiça.
[...] Aos feitores de nenhuma maneira se deve consentir o dar couces, principalmente nas barrigas das mulheres que andam pejadas, nem dar com pau nos escravos, porque na cólera não se medem os golpes, e podem ferir mortalmente na cabeça a um escravo de muito préstimo, que vale muito dinheiro, e perdê-lo. Repreendê-los e chegar-lhes com um cipó às costas com algumas varancadas, é o que se lhes pode e deve permitir para ensino. Prender os fugitivos e os que brigaram com feridas ou se embebedaram, para que o senhor os mande castigar como merecem, é diligência digna de louvor. Porém, amarrar e castigar com cipó até correr o sangue e meter no tronco, ou em uma corrente por meses(estando o senhor na cidade) a escrava que não quis consentir no pecado ou ao escravo que deu fielmente conta da infidelidade, violência e crueldade do feitor que para isso armou delitos fingidos, isso de nenhum modo se há de sofrer, porque seria ter um lobo carniceiro e não um feitor moderado e cristão.


Antonil, André João (1649-1716)




Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL, 1976. p83-4.



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