Os braços de que se vale o senhor do engenho
para o bom governo da gente e da fazenda, são os feitores. Porém, se cada um
deles quiser ser cabeça, será o governo monstruoso e um verdadeiro retrato do cão
Cérbero, a quem os poetas dão fabulosamente três cabeças. Eu não digo que se não
dê autoridade aos feitores: digo que essa autoridade há de ser bem ordenada e
dependente, não absoluta, de sorte que os menores se hajam com subordinação ao
maior, e todos ao senhor a quem servem. Convém que os escravos se persuadam que
o feitor-mor tem muito poder para lhes mandar e para os repreender e castigar
quando for necessário, porém de tal sorte que também saibam que podem recorrer
ao senhor e hão de ser ouvidos como pede a justiça.
[...] Aos feitores de nenhuma maneira se deve
consentir o dar couces, principalmente nas barrigas das mulheres que andam
pejadas, nem dar com pau nos escravos, porque na cólera não se medem os golpes,
e podem ferir mortalmente na cabeça a um escravo de muito préstimo, que vale
muito dinheiro, e perdê-lo. Repreendê-los e chegar-lhes com um cipó às costas
com algumas varancadas, é o que se lhes pode e deve permitir para ensino.
Prender os fugitivos e os que brigaram com feridas ou se embebedaram, para que
o senhor os mande castigar como merecem, é diligência digna de louvor. Porém,
amarrar e castigar com cipó até correr o sangue e meter no tronco, ou em uma
corrente por meses(estando o senhor na cidade) a escrava que não quis consentir
no pecado ou ao escravo que deu fielmente conta da infidelidade, violência e
crueldade do feitor que para isso armou delitos fingidos, isso de nenhum modo
se há de sofrer, porque seria ter um lobo carniceiro e não um feitor moderado e
cristão.
Antonil, André João (1649-1716)
Cultura e opulência do Brasil. São Paulo:
Melhoramentos; Brasília: INL, 1976. p83-4.
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