Vincent Van Gogh ( 1853-1890) |
Coletânea de excertos sobre as várias faces do trabalho, escolhidos a partir de muitas e prazerosas leituras de textos literários e afins (com algumas ilustrações)
segunda-feira, 30 de dezembro de 2019
terça-feira, 10 de dezembro de 2019
Sobre a psicologia
A nossa ciência se encontra em um estado
ainda bem distante da fórmula conclusiva do teorema geométrico que coroa o último
argumento: ‘como queríamos demonstrar- c.q.d.’ Para nós, agora, ainda é
importante indicar o que exatamente se quer demonstrar e depois preparar-se
para a demonstração. Primeiro formular o problema e depois resolvê-lo.
Lev Semionovitch Vigotski (1896-1934)
Lev. S. Vygotsky, Antologia di scritti
a cura de Luciano Meccaci. Bologna: Il Mulino, 1983. p 89 (tradução minha)
segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
sábado, 7 de dezembro de 2019
domingo, 1 de dezembro de 2019
sexta-feira, 29 de novembro de 2019
O princípio do iceberg
Entrevistador: Como se apresenta
em sua mente a concepção de um conto? O tema, o enredo, algum personagem muda
conforme vais escrevendo?
Hemingway: Às vezes sei a história.
Às vezes vou compondo conforme escrevo e nem tenho ideia de como vai ficar. Tudo
muda conforme o desenrolar. É isso que faz o movimento, que faz a história. Às
vezes o movimento é tão lento que parece que não há movimento algum. Mas sempre
há mudança e sempre há movimento.
[...] Faço uma relação de títulos depois que
termino o conto ou o livro, à vezes chega a uns cem. Então, começo a eliminar
alguns, às vezes todos.
[...] Se o escritor deixa de observar, está
acabado. Mas ele não tem que observar conscientemente, nem pensar como isso vai
ser útil. Talvez seja assim no início. Mas depois, tudo que ele vê passa a
fazer parte da grande reserva de coisas que ele conhece ou já viu. Se é que
isso pode ter algum interesse, sempre escrevo segundo o principio do iceberg. Só
se vê um oitavo, os outros sete estão debaixo d’água. Tudo o que você sabe e
pode eliminar só fortalece o iceberg. Agora, se o escritor omite alguma coisa
porque não sabe o que é, então fica um buraco na história.
Hemingway, Ernest (1899-1961)
Os escritores 1: as históricas
entrevistas da Paris Review. Tradução de Alberto Alexandre Martins e Beth
Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
quarta-feira, 27 de novembro de 2019
sexta-feira, 15 de novembro de 2019
Leonardo da Vinci trabalhando
Matteo Bandello, autor do romance de Romeu e
Julieta em que Shakespeare
baseou sua peça, testemunhou com freqüência Leonardo empenhado na pintura da Última Ceia, no refeitório do mosteiro
em que o tio do escritor era prior. Aqui está um relato fascinante do que ele
viu: “Ele aparecia no convento muitas vezes ao amanhecer; e isso eu testemunhei
pessoalmente. Subindo depressa pelo andaime, trabalhava diligentemente até que
as sombras do final da tarde o obrigavam a parar, jamais se lembrando de comer,
de tão absorvido no trabalho. Em outras ocasiões, ele passava três ou quatro
dias sem mexer na pintura, aparecendo apenas por poucas horas para ficar parado
na sua frente, de braços cruzados, contemplando as figuras como se as
criticasse. Às vezes, ao meio-dia, quando o calor do sol em seu zênite
esvaziava todas as ruas de Milão, eu o via sair apressado da cidade, onde
estava modelando o seu cavalo colossal [o monumento equestre Sforfa], sem
procurar qualquer sombra, seguindo pelo caminho mais curto até o convento, onde
acrescentava um toque ou dois e voltava no instante seguinte”.
Wasserman, Jack (1921-)
Leonardo
da Vinci. São Paulo: Record,
1984. p.92
Inaptidão
Acho que foi a minha
inaptidão para o diálogo que gerou o poeta. Sujeito complicado, se vou falar,
uma coisa me bloqueia, me inibe, e eu corto a conversa no meio, como quem é
pego defecando e o faz pela metade. Do que eu poderia dizer, resta sempre um
déficit de oitenta por cento. E os vinte por cento que eu consigo falar não
correspondem senão ao que eu não gostaria de ter dito, o que me deixa um
saldo mortal de angústia. Mesmo desde guri, no colégio, descobri essa barreira
em mim, que não posso vencer. Sou um bom escutador e um vedor melhor. Mas só
trancado e sozinho é que consigo me expressar. Assim mesmo, sem linearidade,
por trancos, por sugestões, ambíguo, como requer a poesia.
Manoel de Barros (1916-2014)
Manoel de Barros (1916-2014)
Gramática
expositiva do chão (poesia quase toda).
2 Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
Ditar
Ditar não é apenas mais cômodo, mais
favorável à concentração, mas tem além disso uma vantagem objetiva. O ditado
torna possível ao escritor, nas fases iniciais do processo de produção,
colocar-se na posição do crítico. O que ele aí estabelece não é obrigatório, é
provisório, simples material a ser elaborado; entretanto uma vez transcrito
isto lhe aparecerá como algo dele alienado e, em certa medida, objetivo. Ele
não precisa ter medo de fixar alguma coisa que não permaneça, pois não é ele
quem tem que escrevê-lo: por responsabilidade ele prega uma peça nesta última.
O risco de formular toma primeiro a forma inofensiva de um ligeiro memorando
que lhe é apresentado, depois, de um trabalho efetuado sobre algo já existente,
de tal modo que já não percebe mais sua própria audácia. Face à dificuldade de
cada enunciado teórico- que pode chegar a proporções desesperadoras- esses
estratagemas tornam-se uma bênção. Eles são meios técnicos auxiliares do
procedimento dialético, que faz asserções para depois retirá-las e, no entanto,
mantê-las. Mas quem anota o ditado merece agradecimentos, se por contradição, ironia,
nervosismo, impaciência ou falta de respeito, tira o escritor do seu sossego no
momento certo. Ele atrai sobre si a raiva, e essa cólera é derivada da má
consciência armazenada, com que o autor desconfia de seu próprio produto e que
o incita a agarrar-se com unhas e dentes, com obstinação cada vez maior, ao
texto que presume sagrado. O afeto que é dirigido com ingratidão ao incômodo
ajudante tem um efeito purificador sobre a relação com a coisa tratada.
Adorno, Theodor (1903-1969)
Mínima
Moralia. Tradução de Luiz Eduardo Bicca. São Paulo: Ática, 1992.p 186.
Sobre Anna Akmatova
Ela (Anna Akmatova) me contou que nunca usava
lápis e papel ao elaborar os seus poemas. Trabalhava em cada verso durante
muito tempo; mas só os anotava depois de o poema ter chegado a sua forma final,
às vezes até uma ou duas semanas depois de já o ter recitado em público para
seus amigos. Dizia que o processo de escrever, de segurar uma caneta na mão,
lhe parecia cansativo e, por isso, não gostava de escrever cartas. Sua letra
era laboriosa e desajeitada, como acontece com as pessoas que não estão
acostumadas a escrever. Lembro-me de que, uma vez, lhe pedi que pusesse
dedicatórias em dois livros que me tinha dado. A primeira ela já fez bem
curtinha; mas quando chegou na segunda, já cansada, limitou-se a assinar seu
nome. Era muito típico de sua maneira de ser, essa peculiaridade de memorizar o
poema por longo tempo, antes de confiá-lo ao papel. Com que atenção ela deve
ter ouvido a música interior das palavras, com que modo incorruptivelmente
terno deve tê-las carregado consigo, através de sua longa vida, até a morte.
Wladimir Weidlé (1895-1979)
Ana Akhmatova, poesia 1912-1964. Introdução de Wladimir Weidlé. Seleção, tradução e notas de Lauro Machado Coelho, L&PM, 1991.
sexta-feira, 1 de novembro de 2019
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
quarta-feira, 30 de outubro de 2019
O artesão de bonequinhos de argila
Hao Mão Grande era genioso, mas também sabia
ser admirável. Tinha umas mãos enormes e habilidosas. Segurava um pedaço de
argila enquanto mantinha os olhos fixos em você, daí a pouco, mexendo aqui e
ali, moldava nela seu retrato fiel. Nem durante a Revolução Cultural ele parou
de fazer seus bonequinhos. O avô já fazia isso. O pai também. Na geração dele,
a técnica se aprimorou. Ele vivia de produzir e vender bonequinhos de argila,
era seu ganha-pão. Mas não era só isso, ele até que poderia produzir cachorros,
macacos, tigres e outros brinquedos de técnica simples e muita demanda, dessas
coisas com que a criançada gosta de brincar. Os artesãos de argila produzem
acima de tudo para as crianças, já que os adultos só vão desembolsar dinheiro
para comprar algo que agrade a elas. Só que Hao Mâo Grande só fazia figuras
humanas. A casa dele tinha cinco cômodos no eixo central e quatro nas laterais,
e ainda um barracão improvisado no pátio. A casa e o barracão estavam cheios de
bonecos, alguns prontos, de rosto colorido e olhos pintados, outros ainda
inacabados, esperando a pintura. No seu kang,
exceto o espaço onde ele se deitava, tudo o mais estava coberto de fileiras
e mais fileiras de bonequinhos. Ele já passava de quarenta anos, tinha o rosto
corado, cabelos grisalhos, uma trança na nuca. A barba também era grisalha. Nas
aldeias vizinhas, também faziam bonecos de argila, mas usavam moldes, as peças eram
todas idênticas. As dele eram moldadas à mão, cada uma de um jeito, não havia
duas iguais. Dizem que todas as crianças da nossa aldeia lhe serviram de
modelo. Dizem que cada pessoa da aldeia acha em algum daqueles boneco o rosto
de sua infância. Dizem que ele não vai à feira vender seu trabalho enquanto ainda
tiver o que comer em casa. Vende com lágrimas nos olhos, como se fosse o próprio
filho. [...] Hao não deixava escolher. Os artesãos das aldeias vizinhas expunham
uma grande quantidade no chão e deixavam os clientes escolherem à vontade. Os
bonecos de Hao Mão Grande ficavam dentro do cesto, cobertos por um pano grosso,
quando alguém ia comprar, ele examinava o cliente detidamente, depois enfiava a
mão no cesto, tateava e tirava um boneco. O que ele tirasse era o que o cliente
levaria. Tinha gente que reclamava que era feio. Mas ele não trocava de jeito
nenhum e punha um sorriso amargurado no canto da boca. Ficava em silêncio, mas
era como se você o ouvisse dizer: ”Por acaso algum pai reclama que seu filho é
feio?” Assim, o cliente examinava com mais atenção o bonequinho que acabava de
receber e, aos poucos, se afeiçoava a ele. Aquele boneco ia ganhando vida, como
se tivesse alma. Ele nunca dizia o preço. Se não lhe dessem nada, nada iria
cobrar. Se lhe dessem algum dinheiro, qualquer quantia, não diria uma única palavra
de agradecimento. As pessoas aos poucos começaram a acreditar que comprar um
boneco daqueles era como encomendar do artesão uma criança de verdade.
Mo Yan (1955- )
As rãs. Tradução do chinês de Amilton
Reis. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 141-143.
quarta-feira, 23 de outubro de 2019
O secretário do embaixador
O embaixador muito me aborrece, como eu
previa. Ele é o tolo mais pontual que pode haver; vai de passo a passo e é
complicado como uma prima solteira; uma pessoa que nunca está satisfeita
consigo mesma e a quem, por isso, ninguém poderá contentar. Gosto de trabalhar superando
as dificuldades facilmente, sem precisar nada mudar; mas ele é capaz de me
devolver um texto e dizer: “Está bom, mas passe os olhos novamente, sempre se
acha uma palavra melhor, uma partícula mais exata”. Aí tenho vontade de mandar
tudo às favas. Nenhuma vírgula, nenhuma conjunçãozinha pode ficar de fora, e é
inimigo mortal de todas as inversões que às vezes deixo escapar. Se os períodos
não forem construídos segundo a melodia tradicional, ele não entende nada do
que está escrito. É um sofrimento ter de lidar com uma pessoa assim.
Goethe, Johann Wolfgang (1749-1832)
Os sofrimentos do jovem Werther.
Tradução de Claudia Cavalcanti. São Paulo: Martin Claret, 2014. p 97.
terça-feira, 22 de outubro de 2019
sábado, 12 de outubro de 2019
Com o avanço da divisão do trabalho
Com o avanço da divisão do trabalho, a
ocupação da maior parte daqueles que vivem do trabalho, isto é, da maioria da
população, acaba restringindo-se a algumas operações extremamente simples,
muitas vezes a uma ou duas. Ora, a compreensão da maior parte das pessoas é
formada pelas suas ocupações normais. O homem que gasta toda sua vida
executando algumas operações simples, cujos efeitos também são, talvez, sempre
os mesmos ou mais ou menos os mesmos, não tem nenhuma oportunidade para
exercitar sua compreensão ou para exercer seu espírito inventivo no sentido de
encontrar meios para eliminar dificuldades que nunca ocorrem. Ele perde
naturalmente o hábito de fazer isso, tornando-se geralmente tão embotado e
ignorante quanto o possa ser uma criatura humana. O entorpecimento de sua mente
o torna não somente incapaz de saborear ou ter alguma participação em toda
conversação racional, mas também de conceber algum sentimento generoso, nobre
ou terno, e, conseqüentemente, de formar algum julgamento justo até mesmo
acerca de muitas das obrigações normais da vida privada. Ele é totalmente
incapaz de formar juízo sobre os grandes e vastos interesses de seus país; e, a
menos que se tenha empreendido um esforço inaudito para transformá-lo, é
igualmente incapaz de defender seu país na guerra. A uniformidade de sua vida
estagnada naturalmente corrompe a coragem de seu espírito, fazendo-o olhar com
horror a vida irregular, incerta e cheia de aventuras de um soldado. Esse tipo
de vida corrompe até mesmo sua atividade corporal, tornando-o incapaz de
utilizar sua força física com vigor e perseverança em alguma ocupação que não
aquela para a qual foi criado. Assim, a habilidade que ele adquiriu em sua
ocupação específica parece ter sido adquirida à custa de suas virtudes
intelectuais, sociais e marciais. Ora, em toda sociedade evoluída e civilizada,
este é o estado em que inevitavelmente caem os trabalhadores pobres — isto é, a
grande massa da população — a menos que o Governo tome algumas providências
para impedir que tal aconteça.
Adam Smith (1723-1790)
A riqueza das nações. São Paulo: Abril
Cultural, 1983. p 213-214.
quinta-feira, 26 de setembro de 2019
domingo, 22 de setembro de 2019
Sono e trabalho
O que me perturba o sono me perturba também o
trabalho. Assovios & conversas, mas não o barulho de máquinas, ou melhor,
este muito menos.
[...]
Sob muitos pontos de vista, o sono & o
trabalho intelectual se assemelham. Manifestamente em função de ambos
implicarem uma ausência de atenção em relação a certas coisas.
Wittgenstein, Ludwig (1889-1951)
Movimentos de pensamento: diários de 1930-1932/1936-1937.
Tradução de Edgard da Rocha Marques. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p 53-4.
sábado, 21 de setembro de 2019
Métis
A inteligência deve, portanto, por força da
flexibilidade, fazer-se ela mesma movimento incessante, polimorfismo, revirada,
fingimento e duplicidade.
Inteligência astuciosa de que a caça e a
pesca puderam fornecer na origem o modelo, mas que transborda largamente desse quadro,
como mostra, em Homero, Ulisses, encarnação humana da métis. Estratagemas do guerreiro quando ele age de surpresa, com
dolo ou em emboscada, arte do piloto dirigindo o navio contra ventos e marés, artifícios
verbais do sofista que retorna contra o adversário o argumento muito forte de
que ele se serviu, engenhosidade do banqueiro e do comerciante que, como os
prestidigitadores, faz muito dinheiro do nada, prudência avisada do político
cujo faro sabe pressentir, de antemão, o curso incerto dos acontecimentos,
destreza da mão, segredos de ofício que dão aos artesãos posse de uma matéria
sempre mais ou menos rebelde a seu esforço industrioso: a métis preside a todas as atividades em que o homem deve aprender a
manobrar forças hostis, muito poderosas para serem diretamente controladas, mas
que podem ser utilizadas a despeitos delas, sem jamais as enfrentar de cara,
para fazer atingir por um viés imprevisto o projeto que se meditou.
Détienne, Marcel (1935-2019)
Vernant, Jean-Pierre (1914-2007)
Métis, As astúcias da inteligência;
tradução de Filomena Hirata. São Paulo: Odysseus Editora, 2008. p54.
segunda-feira, 16 de setembro de 2019
sexta-feira, 13 de setembro de 2019
Conselho aos médicos: quam artem exerceas?
O médico que vai atender a um paciente proletário
não se deve limitar a pôr a mão no pulso, com pressa, assim que chegar, sem
informar-se de suas condições; não delibere de pé sobre o que convém ou não convém
fazer, como se não jogasse com a vida humana; deve sentar-se, com a dignidade
de um juiz, ainda que não seja em cadeira dourada, como em caso de magnatas;
sente-se mesmo num banco, examine o paciente com fisionomia alegre e observe
detidamente o que ele necessita dos seus conselhos médicos e de seus cuidados
piedosos. Um médico que atende a um doente deve informar-se de muita coisa a
seu respeito pelo próprio e pelos seus acompanhantes, segundo o preceito de nosso
Divino Preceptor, “quando visitares um doente convém perguntar-lhe o que sente,
qual a causa, desde quantos dias, se seu ventre funciona e que alimento ingeriu”
são palavras de Hipócrates no seu livro “Afecções”; a estas perguntas devia-se
acrescentar outra: “Quam artem exerceas? (que arte exerce? qual a sua ocupação?)”.
Tal pergunta considero oportuno e mesmo necessário lembrar ao médico que trata
um homem do povo, que dela se vale para chegar às causas ocasionais do mal, a
qual quase nunca é posta em prática, ainda que o médico a conheça. Entretanto,
se a houvesse observado, poderia obter uma cura mais feliz.
Ramazzini, Bernardino (1633-1714)
As doenças dos trabalhadores. Tradução
de Raimundo Estrela. São Paulo: Fundacentro, 2000. p 25.
quarta-feira, 11 de setembro de 2019
Amar o trabalho?
É preciso amar o trabalho, dizem nossos
sábios: eh! Mas como? O que há de amável na civilização para os 9/10 dos seres
a quem ele só causa desgosto, sem nenhuma vantagem? Por isso, os ricos, que
dele só exercem a parte lucrativa e cômoda, a direção, geralmente lhe têm repugnância.
Como fazer o pobre amá-lo se não se sabe torná-lo amado pelo rico?
A vida é um suplício perpétuo para nossos
operários, obrigados a empregar doze horas consecutivas, muitas vezes quinze,
num trabalho fastidioso. Os próprios ministros não estão isentos: há os que se
queixam de ter passado uma jornada inteira na abominável tarefa de colocar sua
assinatura em milhares de documentos contáveis.
[...]no estado atual, assegurar ao pobre
direitos à soberania quando ele só pede o direito de trabalhar para o prazer
dos ociosos não é insultá-lo?
Passamos séculos a discutir sobre os direitos
do homem, sem sonhar em reconhecer o mais essencial, o do trabalho, sem o qual
os outros nada são.
Fourier,
Charles (1772-1837)
Théorie de l’unité universelle, 2 ed. Paris:
1838.
(tradução minha)
sábado, 7 de setembro de 2019
A concentração do ator
Antes de começar qualquer coisa, é importante
limpar o espaço de trabalho. Esvaziá-lo, desfazer-se de tudo o que é inútil e
ordenar apenas algumas cadeiras necessárias ou certos acessórios,
cuidadosamente, próximos às paredes do ambiente. Depois limpa-se o chão. Se os
atores se derem esse tempo e se entregarem a isso no começo do dia de ensaio, o
trabalho tende a ser bom. No Japão, todas as tradições teatrais, religiosas e
das artes marciais seguem essa prática.
Mas essa limpeza não é feita de qualquer
jeito, só para se livrar da sujeira, usando detergente ou até alguns aparelhos.
Todas as disciplinas tradicionais têm um estilo particular de limpar o chão, em
que se usa água fria com panos de algodão, ficando-se num estado desperto de
consciência e solicitando do corpo uma posição específica. O pano deve ser
umedecido em água fria (sem detergente) e depois torcido. Abre-se o pano úmido no
chão, pondo-se as duas palmas das mãos sobre ele. Os joelhos não tocam o chão,
somente as mãos e os pés. De modo que o corpo fica parecido a um V invertido.
Então andamos para a frente, lentamente, empurrando o pano pelo chão.
Normalmente começamos por um lado do ambiente e atravessamos sem parar em direção
ao outro. Quando chegamos na parede oposta, ficamos em pé, umedecemos o pano e
recomeçamos por uma outra “pista”. Nesta posição, nossos quadris estão firmes,
e trabalhamos o corpo à medida em que limpamos o chão. Enquanto fazemos esse
exercício, temos de pensar somente em esfregar o pano, limpando cuidadosamente.
Não devemos nos apressar, ficar distraídos ou pensar em outras coisas. Não
devemos conversar com outro colega. Tudo isso é extremamente difícil, mas é algo
muito bom para treinar a concentração de que um ator necessita.
Existe um conceito que se encontra na antiga filosofia
budista indiana, o samadhi, que se
refere a um nível particular de concentração profunda. De certo modo, é
extremamente simples: quando lemos um livro, apenas nos concentramos na leitura
do livro; quando pescamos, focamos nossa atenção somente nos movimentos e na
vibração da própria linha; quando limpamos o chão, é tudo o que fazemos. [...] É
extremamente difícil concentrar-se apenas na ação de limpar: é fácil
distrair-se. No entanto, os atores devem ser capazes de realizar qualquer
atividade com 100% de si mesmos e de concentração.
Yoshi Oida ( 1933- )
O ator invisível. Prefácio de Peter
Brook; tradução de Marcelo Gomes. São Paulo: Via Lettera, 2007. p 22-23.
Yoshi Oida em O homem que... |
quinta-feira, 5 de setembro de 2019
terça-feira, 3 de setembro de 2019
Comandar ou servir
Prefiro servir-lhes como eu quiser a
comandá-los como eles quiserem.
Shakespeare, William (1564-1616)
Obra Completa. Nova versão, anotada,
de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes. Volume 1. Coriolano. Rio
de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1989. p 170.
sexta-feira, 30 de agosto de 2019
O mal nas práticas ordinárias de trabalho
O mal [...] é tolerar a mentira, não denunciá-la e, mais do que isso, contribuir à sua
produção e à sua difusão. O mal também é tolerar, não denunciar e participar da
injustiça e do sofrimento impostos aos outros. Para começar, trata-se das infrações cada vez mais frequentes e
cínicas à legislação trabalhista: empregar pessoas sem carteira de trabalho
para não pagar a Previdência Social e poder demiti-las, sem penalidades, no
caso de acidentes do trabalho (como no setor da construção civil ou nas
empresas de mudança); empregar pessoas sem pagar o que lhes é devido (como nas
oficinas semi clandestinas de confecção); exigir um trabalho cuja duração
ultrapassa as autorizações legais (como no transporte rodoviário, onde se
obriga homens a dirigirem por mais de 24 horas seguidas), etc. O mal também são
todas as injustiças relacionadas com as alocações discriminatórias e manipuladoras a postos de trabalho mais perigosos
ou penosos, deliberadamente cometidas e publicamente exibidas; é o desprezo, são
as grosserias e as obscenidades dirigidas às mulheres. O mal é ainda a manipulação
deliberada da ameaça, da chantagem e
de insinuações contra os trabalhadores, para desestabilizá-los
psicologicamente, e levá-los a cometer erros para, em seguida, usar estes atos
como pretexto para demiti-los por justa causa, como se vê frequentemente com os
executivos. São também as práticas correntes de demissões sem aviso prévio, sem
conversas, principalmente entre executivos que, de repente, numa manhã não
podem entrar no seu escritório pois a fechadura da porta foi trocada e que são
convidados a ir buscar seu salário, assinar sua demissão e pegar seus objetos
pessoais amontoados na porta da saída. O mal é também a participação em planos
sociais, isto é, nas demissões regadas de falsas promessas de assistência ou
ajuda para encontrar novo emprego, ou, ao contrário associadas a justificativas
caluniosas sobre a incompetência, a inabilidade, a lentidão, a falta de
iniciativa, etc. da vítima. O mal é ainda manipular a ameaça e a precariedade
para submeter o outro, para infligir-lhe sevícias, por exemplo, sexuais, ou obriga-lo
a fazer coisas que ele moralmente reprova e, de um modo geral, para lhe causar
medo.
A existência de todos esses sofrimentos e
essas injustiças impostas a outrem são conhecidas em todas as sociedades,
inclusive democráticas. Nós qualificamos todas essas condutas como “mal” quando elas são:
-erigidas em sistema de direção, de comando, de organização ou de gestão, isto é,
quando elas supõem a implicação de todos a título de vítimas, de carrascos ou
de vítimas e carrascos alternativa ou simultaneamente;
-públicas, banalizadas, conscientes, deliberadas, admitidas ou reivindicadas e
não clandestinas, ocasionais ou excepcionais, ou até quando elas são
consideradas valiosas.
Atualmente, em numerosas empresas, o que
antigamente era considerado como falta moral da qual se podia esquivar, e até se
opor a preço de uma coragem não excepcional, tende a se tornar norma de um sistema de administração das
relações humanas no mundo do trabalho: estamos então no universo do mal, do qual
tentaremos analisar o funcionamento.
Dejours, Christophe (1949- )
sexta-feira, 16 de agosto de 2019
Sobre escrever
Quem me obriga a escrever? O mistério é esse:
ninguém, e no entanto a força me impelindo.
Escrever não é quase sempre pintar com
palavras?
Estou escrevendo porque não sei o que fazer
de mim.
Quem sabe, também eu poderia não escrever.
Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.
Clarice Lispector (1920-1977)
Paz e liberdade
Quero paz e liberdade
Sossego e fraternidade
Na nossa pátria natal
Desde a cidade ao deserto
Quero o operário liberto
Da exploração patronal.
Patativa de Assaré (1909-2002)
Carvalho, Gilmar de. Patativa do Assaré: um
poeta cidadão. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p 79.
terça-feira, 13 de agosto de 2019
Escritores
Há duas espécies de escritores. Aqueles que são
e aqueles que não são. Nos primeiros, a forma e o conteúdo se harmonizam como
corpo e alma; nos segundos, a forma e o conteúdo se ajustam como a roupa sobre
o corpo.
Karl Kraus (1874-1936)
Aforismos. Tradução e organização de Renato
Zwick. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2010. p 69.
Aplausos
Rir da vaidade dos atores, de sua necessidade
de aplausos e afins é ridículo. As pessoas de teatro precisam do aplauso para
representar melhor; e para isso, também basta o aplauso fingido. O sentimento
de felicidade que alguns atores mostram quando são aplaudidos por aqueles que
pagaram para fazê-lo é uma prova de seu gênio artístico. Dificilmente alguém
teria se tornado um grande ator se o público tivesse vindo ao mundo sem mãos.
Karl Kraus (1874-1936)
Aforismos. Tradução e organização de
Renato Zwick. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2010. p 66-7.
sexta-feira, 2 de agosto de 2019
Atividade: repetição e criação
Se olharmos para o comportamento humano, para
a sua atividade, de um modo geral, é fácil verificar a possibilidade de
diferenciar dois tipos principais. Um tipo de atividade pode-se denominar de
reconstituidor ou reprodutivo. Está intimamente ligado à memória; sua essência consiste
em reproduzir ou repetir meios de conduta anteriormente criados e elaborados ou
ressuscitar marcas de impressões precedentes. Quando me lembro da casa onde
passei a minha infância ou de países distantes que visitei, reproduzo as marcas
daquelas impressões que tive na primeira infância ou à época das viagens. Da
mesma forma, quando faço desenhos de observação, quando escrevo ou faço algo
seguindo determinado modelo, reproduzo somente o que existe diante de mim ou o
que assimilei e elaborei anteriormente. O comum em todos esses casos é que a
minha atividade nada cria de novo e a sua base é a repetição mais ou menos
precisa daquilo que existiu.
É fácil compreender o enorme significado da
conservação da experiência anterior para a vida do homem, o quanto ela facilita
sua adaptação ao mundo que o cerca, ao criar e elaborar hábitos permanentes que
se repetem em condições iguais.
A base orgânica dessa atividade reprodutiva
ou da memória é a plasticidade da nossa substância nervosa. Chama-se
plasticidade à propriedade de uma substância que permite alterá-la e conservar
as marcas dessa alteração, Assim, nesse sentido, a cera tem mais plasticidade,
por exemplo, do que a água ou o ferro, pois admite modificação mais facilmente
do que o ferro e conserva a marca desta melhor que a água. Somente se tomadas
juntas essas duas propriedades formam a plasticidade da nossa substância
nervosa. Nosso cérebro e nossos nervos, que possuem uma enorme plasticidade,
modificam com facilidade sua estrutura mais tênue sob diferentes influências e,
se os estímulos são suficientemente fortes ou repetidos com bastante frequência,
conservam a marca dessas modificações. No cérebro ocorre algo semelhante ao que
acontece a uma folha de papel quando a dobramos ao meio. No local da dobra,
fica a marca resultante da modificação feita, bem como a predisposição para
repetir essa modificação no futuro. Basta, agora, soprar essa folha de papel
para que dobre no mesmo local em que ficou a marca. O mesmo ocorre com a marca
deixada pela roda na terra fofa: forma-se uma trilha que fixa as modificações
produzidas pela roda, facilitando o seu deslocamento no futuro. De modo
semelhante, em nosso cérebro, estímulos fortes ou que se repetem com frequência
abrem novas trilhas.
Dessa forma nosso cérebro mostra-se um órgão que
conserva nossa experiência anterior e facilita sua reprodução.
Entretanto, caso a atividade do cérebro fosse
limitada somente à conservação da experiência anterior, o homem seria capaz de
se adaptar, predominantemente, às condições habituais e estáveis do meio que o
cerca. Todas as modificações novas e inesperadas no meio, ainda não vivenciadas
por ele na sua experiência anterior, não poderiam, nesse caso, provocar uma
reação necessária de adaptação. Junto à conservação da experiência anterior, o
cérebro possui ainda uma outra função não menos importante.
Além da atividade reprodutiva, é fácil notar
no comportamento humano outro gênero de atividade, mais precisamente, a
combinatória ou criadora. Quando, na imaginação, esboço para mim mesmo um
quadro do futuro, digamos, a vida do homem no regime socialista, ou o quadro de
um passado longínquo de vida e luta do homem pré-histórico, em ambos não
reproduzo as impressões que tive a oportunidade de sentir alguma vez. Não estou
simplesmente restaurando a marca de excitações anteriores que chegaram ao meu cérebro,
pois nunca vi, realmente, nem esse passado nem esse futuro. Apesar disso, posso
ter a minha ideia, a minha imagem, o meu quadro.
Toda atividade do homem que tem como
resultado a criação de novas imagens ou ações, e não a reprodução de impressões
ou ações anteriores da sua experiência, pertence a esse segundo gênero de
comportamento criador ou combinatório. O cérebro não é apenas o órgão que
conserva e reproduz nossa experiência anterior, mas também o que combina e
reelabora, de forma criadora, elementos da experiência anterior, erigindo novas
situações e novos comportamentos. Se a atividade do homem se restringisse à
mera reprodução do velho, ele seria um ser voltado apenas para o passado,
adaptando-se ao futuro apenas na medida em que este reproduzisse aquele. É exatamente
a atividade criadora que faz do homem um ser que se volta para o futuro,
erigindo-o e modificando o seu presente.
A psicologia denomina imaginação ou fantasia
a essa atividade criadora baseada na capacidade de combinação de nosso cérebro.
Comumente, entende-se por imaginação ou fantasia algo diferente do que a ciência
pressupõe com essas palavras. No cotidiano, designa-se como imaginação ou
fantasia tudo o que não é real, que não corresponde à realidade e, portanto, não
pode ter qualquer significado prático sério. Na verdade, a imaginação, base de
toda atividade criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida
cultural, tornando igualmente possível a criação artística, a científica e a técnica.
Nesse sentido, tudo o que nos cerca e foi feito pelas mãos do homem, todo o
mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da
imaginação e da criação humana que nela se baseia [...].
Daí é fácil perceber que a nossa ideia
cotidiana de criação não corresponde plenamente à compreensão científica dessa
palavra. No entendimento comum, criação é o destino de alguns eleitos, gênios,
talentos que criaram grandes obras artísticas, fizeram notáveis descobertas
científicas ou inventaram alguns aperfeiçoamentos na área técnica. Reconhecemos
de bom grado e prontamente a criação na atividade de Tostoi, Edson e Darwin,
porém é corriqueiro pensarmos que na vida de uma pessoa comum não haja criação.
No entanto, como já foi dito, esse ponto de
vista não é correto. Segundo uma analogia feita por um cientista russo, a
eletricidade age e manifesta-se não só onde há uma grandiosa tempestade e relâmpagos
ofuscantes, mas também na lâmpada de uma lanterna de bolso. Da mesma forma, a
criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históricas,
mas por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo,
mesmo que esse novo se pareça a um grãozinho, se comparado às criações dos gênios.
Se levarmos em conta a presença da imaginação coletiva, que une todos esses grãozinhos
não raro insignificantes da criação individual, veremos que grande parte de
tudo o que foi criado pela humanidade pertence exatamente ao trabalho criador anônimo
e coletivo de inventores desconhecidos.
Lev Semionovitch Vigotski (1896-1934)
Imaginação e criação na infância.
Tradução e revisão técnica de Zoia Prestes e Elizabeth Tunes. São Paulo: Expressão
Popular, 2018, p 13-17.
domingo, 30 de junho de 2019
A solidão do cientista
Embora altamente
satisfatória, uma carreira científica está longe de ser fácil. Experimentei
muitos momentos de intenso prazer ao longo desse percurso e meu dia a dia é
maravilhosamente revigorante do ponto de vista intelectual. Mas a diversão da
atividade científica é explorar domínios do conhecimento que são relativamente
inexplorados. Como todo aquele que se aventura no desconhecido, senti-me
algumas vezes sozinho, inseguro e sem uma trilha aberta para percorrer. A cada
vez que embarcava numa nova direção, pessoas bem-intencionadas, tanto do meu círculo
social como colegas da comunidade científica, me aconselhavam a não fazê-lo.
Tive que aprender desde o início a me sentir confortável numa situação insegura
e a confiar no meu próprio julgamento.
[...] A decisão
mais difícil que tive que tomar em relação à minha carreira foi abandonar a
segurança potencial de uma prática em psiquiatria pela incerteza da pesquisa.
Kandel,
Eric (1929 -)
Em busca
da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. Tradução de Rejane
Rubino. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p 449-50.
quinta-feira, 20 de junho de 2019
quarta-feira, 12 de junho de 2019
Trabalhador do mar
Mess Lethierry, o homem notável de Saint-Sampson,
era um marinheiro terrível. Tinha navegado muito. Foi grumete, gageiro,
timoneiro, contramestre, mestre de equipagem, piloto, arrais. Agora era
armador. Ninguém conhecia o mar como ele. Era intrépido para salvar gente.
Quando havia temporal Lethierry ia passear à praia, com os olhos no horizonte.
Que é aquilo lá ao longe? É alguém que está em perigo. É um barco de Weymouth,
ou de Aurigny, ou de Courseull, é um iate de um lorde, de um inglês, um francês,
um pobre, um rico, é o diabo, fosse quem fosse, ele saltava dentro da lancha,
chamava dois ou três homens valentes, dispensava-os quando não tinha, equipava
ele só, desatava a amarra, travava do remo, fazia-se ao largo, subia e descia
nas cavas das ondas, mergulhava no furacão, ia ao perigo. Viam-no assim de
longe, no meio das lufadas do vento, de pé sobre a embarcação, gotejante de
chuva, confundido com os relâmpagos, face de leão e juba de espuma. Passava
assim às vezes um dia inteiro no perigo, e nas vagas à saraiva e ao vento,
costeando os navios que soçobravam, salvando homens, salvando cargas,
disputando com a tempestade. Voltava à noite para casa, e tecia um par de meias.
Passou esta vida cinquenta anos, desde os dez
até os sessenta, enquanto foi moço. Aos sessenta anos, viu que já não podia
levantar com um braço a bigorna da forja de Varclin; pesava aquela bigorna
trezentas libras; foi atacado repentinamente de reumatismo. Teve de deixar o
mar. Passou da idade heróica à idade patriarcal. Já não era mais do que um
bonachão.
Hugo, Victor (1802-1885)
Os trabalhadores do mar. Tradução de Machado
de Assis. Rio de janeiro: Ediouro. p.37.
quarta-feira, 29 de maio de 2019
Abrigo de vagabundos
Eu arranjei o meu dinheiro
Trabalhando o ano inteiro
Numa cerâmica
Fabricando potes
E lá no alto da Moóca
Eu comprei um lindo lote dez de frente e dez de fundos
Construí minha maloca
Me disseram que sem planta
Não se pode construir
Mas quem trabalha tudo pode conseguir
Trabalhando o ano inteiro
Numa cerâmica
Fabricando potes
E lá no alto da Moóca
Eu comprei um lindo lote dez de frente e dez de fundos
Construí minha maloca
Me disseram que sem planta
Não se pode construir
Mas quem trabalha tudo pode conseguir
João Saracura que é fiscal da Prefeitura
Foi um grande amigo, arranjou tudo pra mim
Por onde andará Joca e Matogrosso
Aqueles dois amigos
Que não quis me acompanhar
Andarão jogados na avenida São João
Ou vendo o Sol quadrado na detenção
Foi um grande amigo, arranjou tudo pra mim
Por onde andará Joca e Matogrosso
Aqueles dois amigos
Que não quis me acompanhar
Andarão jogados na avenida São João
Ou vendo o Sol quadrado na detenção
Minha maloca, a mais linda que eu já vi
Hoje está legalizada ninguém pode demolir
Minha maloca a mais linda deste mundo
Ofereço aos vagabundos
Que não têm onde dormir
Hoje está legalizada ninguém pode demolir
Minha maloca a mais linda deste mundo
Ofereço aos vagabundos
Que não têm onde dormir
Adoniran Barbosa (1910-1982)
domingo, 19 de maio de 2019
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