sábado, 7 de setembro de 2019

A concentração do ator

Antes de começar qualquer coisa, é importante limpar o espaço de trabalho. Esvaziá-lo, desfazer-se de tudo o que é inútil e ordenar apenas algumas cadeiras necessárias ou certos acessórios, cuidadosamente, próximos às paredes do ambiente. Depois limpa-se o chão. Se os atores se derem esse tempo e se entregarem a isso no começo do dia de ensaio, o trabalho tende a ser bom. No Japão, todas as tradições teatrais, religiosas e das artes marciais seguem essa prática.
Mas essa limpeza não é feita de qualquer jeito, só para se livrar da sujeira, usando detergente ou até alguns aparelhos. Todas as disciplinas tradicionais têm um estilo particular de limpar o chão, em que se usa água fria com panos de algodão, ficando-se num estado desperto de consciência e solicitando do corpo uma posição específica. O pano deve ser umedecido em água fria (sem detergente) e depois torcido. Abre-se o pano úmido no chão, pondo-se as duas palmas das mãos sobre ele. Os joelhos não tocam o chão, somente as mãos e os pés. De modo que o corpo fica parecido a um V invertido. Então andamos para a frente, lentamente, empurrando o pano pelo chão. Normalmente começamos por um lado do ambiente e atravessamos sem parar em direção ao outro. Quando chegamos na parede oposta, ficamos em pé, umedecemos o pano e recomeçamos por uma outra “pista”. Nesta posição, nossos quadris estão firmes, e trabalhamos o corpo à medida em que limpamos o chão. Enquanto fazemos esse exercício, temos de pensar somente em esfregar o pano, limpando cuidadosamente. Não devemos nos apressar, ficar distraídos ou pensar em outras coisas. Não devemos conversar com outro colega. Tudo isso é extremamente difícil, mas é algo muito bom para treinar a concentração de que um ator necessita.
Existe um conceito que se encontra na antiga filosofia budista indiana, o samadhi, que se refere a um nível particular de concentração profunda. De certo modo, é extremamente simples: quando lemos um livro, apenas nos concentramos na leitura do livro; quando pescamos, focamos nossa atenção somente nos movimentos e na vibração da própria linha; quando limpamos o chão, é tudo o que fazemos. [...] É extremamente difícil concentrar-se apenas na ação de limpar: é fácil distrair-se. No entanto, os atores devem ser capazes de realizar qualquer atividade com 100% de si mesmos e de concentração.


Yoshi Oida ( 1933- )


O ator invisível. Prefácio de Peter Brook; tradução de Marcelo Gomes. São Paulo: Via Lettera, 2007. p 22-23.    
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