Ela (Anna Akmatova) me contou que nunca usava
lápis e papel ao elaborar os seus poemas. Trabalhava em cada verso durante
muito tempo; mas só os anotava depois de o poema ter chegado a sua forma final,
às vezes até uma ou duas semanas depois de já o ter recitado em público para
seus amigos. Dizia que o processo de escrever, de segurar uma caneta na mão,
lhe parecia cansativo e, por isso, não gostava de escrever cartas. Sua letra
era laboriosa e desajeitada, como acontece com as pessoas que não estão
acostumadas a escrever. Lembro-me de que, uma vez, lhe pedi que pusesse
dedicatórias em dois livros que me tinha dado. A primeira ela já fez bem
curtinha; mas quando chegou na segunda, já cansada, limitou-se a assinar seu
nome. Era muito típico de sua maneira de ser, essa peculiaridade de memorizar o
poema por longo tempo, antes de confiá-lo ao papel. Com que atenção ela deve
ter ouvido a música interior das palavras, com que modo incorruptivelmente
terno deve tê-las carregado consigo, através de sua longa vida, até a morte.
Wladimir Weidlé (1895-1979)
Ana Akhmatova, poesia 1912-1964. Introdução de Wladimir Weidlé. Seleção, tradução e notas de Lauro Machado Coelho, L&PM, 1991.
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