sábado, 21 de setembro de 2019

Métis


A inteligência deve, portanto, por força da flexibilidade, fazer-se ela mesma movimento incessante, polimorfismo, revirada, fingimento e duplicidade.
Inteligência astuciosa de que a caça e a pesca puderam fornecer na origem o modelo, mas que transborda largamente desse quadro, como mostra, em Homero, Ulisses, encarnação humana da métis. Estratagemas do guerreiro quando ele age de surpresa, com dolo ou em emboscada, arte do piloto dirigindo o navio contra ventos e marés, artifícios verbais do sofista que retorna contra o adversário o argumento muito forte de que ele se serviu, engenhosidade do banqueiro e do comerciante que, como os prestidigitadores, faz muito dinheiro do nada, prudência avisada do político cujo faro sabe pressentir, de antemão, o curso incerto dos acontecimentos, destreza da mão, segredos de ofício que dão aos artesãos posse de uma matéria sempre mais ou menos rebelde a seu esforço industrioso: a métis preside a todas as atividades em que o homem deve aprender a manobrar forças hostis, muito poderosas para serem diretamente controladas, mas que podem ser utilizadas a despeitos delas, sem jamais as enfrentar de cara, para fazer atingir por um viés imprevisto o projeto que se meditou.


Détienne, Marcel (1935-2019)
Vernant, Jean-Pierre (1914-2007)



Métis, As astúcias da inteligência; tradução de Filomena Hirata. São Paulo: Odysseus Editora, 2008. p54.

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