sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Inaptidão

Acho que foi a minha inaptidão para o diálogo que gerou o poeta. Sujeito complicado, se vou falar, uma coisa me bloqueia, me inibe, e eu corto a conversa no meio, como quem é pego defecando e o faz pela metade. Do que eu poderia dizer, resta sempre um déficit de oitenta por cento. E os vinte por cento que eu consigo falar não correspondem senão ao que eu não gostaria de ter dito, o que me deixa um saldo mortal de angústia. Mesmo desde guri, no colégio, descobri essa barreira em mim, que não posso vencer. Sou um bom escutador e um vedor melhor. Mas só trancado e sozinho é que consigo me expressar. Assim mesmo, sem linearidade, por trancos, por sugestões, ambíguo,  como requer a poesia.


Manoel de Barros (1916-2014)



           Gramática expositiva do chão (poesia quase toda).
            2 Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.

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