Acho que foi a minha
inaptidão para o diálogo que gerou o poeta. Sujeito complicado, se vou falar,
uma coisa me bloqueia, me inibe, e eu corto a conversa no meio, como quem é
pego defecando e o faz pela metade. Do que eu poderia dizer, resta sempre um
déficit de oitenta por cento. E os vinte por cento que eu consigo falar não
correspondem senão ao que eu não gostaria de ter dito, o que me deixa um
saldo mortal de angústia. Mesmo desde guri, no colégio, descobri essa barreira
em mim, que não posso vencer. Sou um bom escutador e um vedor melhor. Mas só
trancado e sozinho é que consigo me expressar. Assim mesmo, sem linearidade,
por trancos, por sugestões, ambíguo, como requer a poesia.
Manoel de Barros (1916-2014)
Gramática
expositiva do chão (poesia quase toda).
2 Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
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