terça-feira, 17 de julho de 2018

Da escrita obscura


Acho que não se deveria escrever de modo obscuro, pois um texto tem muito mais valor, e muito mais esperança de ser difundido e se tornar eterno, quanto melhor for compreendido e quanto menos se prestar a interpretações equívocas.
[...] Além disso, falar ao próximo numa linguagem que ele não pode entender pode ser um mau hábito de alguns revolucionários, mas não é realmente um instrumento revolucionário: ao contrário, é um antigo artifício repressivo, conhecido de todas as Igrejas, vício típico de nossa classe política, fundamento de todos os impérios coloniais. É um modo sutil de impor a própria hierarquia: quando o padre Cristóforo diz “Omnia munda mundis” (aos puros, tudo parece puro) em latim a frei Fazio, que não sabia latim, este último, “ao ouvir aquelas palavras carregadas de um sentido misterioso, e proferidas tão resolutamente [...] achou que nelas devia estar contida a solução de todas as suas dúvidas. Então se acalmou e disse: ‘Chega! Ele sabe mais do que eu’.”

Levi, Primo (1919-1987)




            O ofício alheio. Tradução de Silvia Massimini Felix. São Paulo: Editora Unesp, 2016, p 55 e 60



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