Não se trata de bestas atormentadas [...].
Trata-se de vinte lenhadores, de vinte lenhadores que uivam. São pendurados por
três ou quatro horas, porque nem hoje, nem ontem, nem anteontem, produziram as
toneladas de acaju que lhes correspondem. Vocês são uns pobres inocentes, uns
ignorantes, mas dentro de três dias saberão o que são quatro toneladas. Duas
toneladas é a produção normal de um lenhador experimentado e forte como um boi.
E agora o cafajeste do Don Acácio quer que derrubemos quatro toneladas por dia.
Quem não pode, penduram numa árvore, amarrado pelos quatro membros, e até mesmo
pelos cinco, durante a metade da noite...Então os mosquitos chegam rondando,
porque a coisa ocorre na beira dos pântanos, sem contar as formigas vermelhas,
que chegam aos batalhões. Mas não necessito de lhes dar mais detalhes, em menos
de uma semana vocês saberão tanto quanto eu e por experiência própria. A partir
de então, serão iniciados em todos os mistérios de uma montaria pertencente aos
irmãos Montellano; serão soldados do exército dos torturados. [...]
Antes nos batiam selvagemente quando não podíamos
derrubar duas toneladas, mas chegamos a nos acostumar, e isso de nada lhes
servia. Ao contrário, quanto mais nos batiam menos produzíamos. É por isso que
os Montellano inventaram nos pendurar. É horrível, espantoso, mas somente
enquanto se está pendurado. No dia seguinte já se pode trabalhar e derrubar as
quatro toneladas. Esta nova invenção lhes deu resultado realmente eficaz,
porque a lembrança, só a lembrança do sofrimento e o medo de ser pendurado novamente,
fazem-te arranjar forças para derrubar as quatro toneladas, ainda que, na
primeira, já tenhas as mãos esfoladas. Só que nós já atingimos o limite e breve
a nova invenção também será inútil. Com Celso, por exemplo, já não existe o que
fazer. Depois de estar pendurado quatro horas, Celso gritou para Guapo, que se
aproximou para soltá-lo: “Eh filho da puta, chegas justamente quando melhor me
sinto; eu estava adormecendo e te ocorre perturbar meu sono, poltrão!”. Celso
foi o primeiro, agora somos seis. O segredo consiste em que os homens podem
chegar a ser bois ou asnos e ficar impassíveis quando lhes espancam ou incitam,
sempre que tenham conseguido afastar de dentro de si todo instinto de revolta.
B. Traven (1882-1969)
A rebelião dos torturados. Tradução de Carlos
Alberto Oliveira Santos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p 58-60.
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