domingo, 22 de julho de 2018

O secretário geral


Eis aqui os trabalhos de sua vida: entre cinco e seis convites diários, ele tinha que escolher a casa onde encontraria o melhor jantar. Cedo, ia fazer o ministro e sua esposa rirem, na refeição da manhã acariciava as crianças e brincava com elas. Depois, trabalhava uma ou duas horas, isto é, acomodava-se numa boa poltrona para ler os jornais, ditar a orientação de uma carta, receber quando o ministro não estava, explicar em grosso o trabalho, recolher ou distribuir algumas gotas de água benta da Corte, dar uma olhada, de monóculo, em petição ou as apostilar com uma assinatura que queria dizer: “Pouco se me dá, faça como quiser!”. Todos sabiam que quando Des Lupeaulx se interessava por alguém ou alguma coisa, tratava pessoalmente do caso. Permitia aos funcionários de alta categoria algumas palestras íntimas sobre os assuntos delicados e ouvia-lhes os diz-que-diz ques. De quando em quando, ia ao castelo receber a palavra de ordem. Afinal, esperava o ministro, quando este voltava da Câmara nos dias de sessão, a fim de saber se era preciso inventar e dirigir alguma manobra. O ministerial sibarita vestia-se, jantava e visitava doze ou quinze salões das oito às três da madrugada. Na Ópera, conversava com os jornalistas, pois estava com eles nas melhores relações deste mundo; havia entre eles uma contínua troca de pequenos serviços, impingia-lhes seus boatos e engolia os deles, impedia-os de atacar tal ou tal ministro sobre tal e tal assunto pois, dizia ele, aquilo causaria um verdadeiro pesar às esposas ou amantes dos titulares.
Em compensação, quando havia oportunidade, ele prestava serviço aos redatores, afastava todos os obstáculos para a representação de uma peça, dava a propósito gratificações ou um bom jantar, prometia facilitar a conclusão de um negócio. De resto, gostava de literatura e protegia as artes; tinha autógrafos, magníficos álbuns grátis, esboços, quadros. Fazia muitos benefícios aos artistas, não os prejudicando, amparando-os em certas ocasiões nas quais o amor próprio deles exigia uma satisfação pouco dispendiosa. Por isso tudo, era ele muito querido por toda a gente dos bastidores, pelos jornalistas e pelos artistas. Antes de mais nada, todos eles tinham os mesmos vícios e a mesma preguiça; ademais, troçavam tão bem de tudo entre dois aperitivos ou entre duas dançarinas! Se Des Lupeaulx não tivesse sido secretário geral, teria sido jornalista. Por isso, na luta dos quinze anos em que o malho da epigrama abriu a brecha por onde passou a insurreição, jamais Des Lupeaulx recebeu o mínimo golpe.

Balzac, Honoré de (1799-1850)



A comédia humana. Estudos de costumes. Cenas da vida parisiense. Vol XI. Tradução de Vidal de Oliveira [et alli]. São Paulo: Globo, 1991, p 128-9.

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