Eis aqui os trabalhos de sua vida:
entre cinco e seis convites diários, ele tinha que escolher a casa onde
encontraria o melhor jantar. Cedo, ia fazer o ministro e sua esposa rirem, na
refeição da manhã acariciava as crianças e brincava com elas. Depois,
trabalhava uma ou duas horas, isto é, acomodava-se numa boa poltrona para ler
os jornais, ditar a orientação de uma carta, receber quando o ministro não
estava, explicar em grosso o trabalho, recolher ou distribuir algumas gotas de
água benta da Corte, dar uma olhada, de monóculo, em petição ou as apostilar
com uma assinatura que queria dizer: “Pouco se me dá, faça como quiser!”. Todos
sabiam que quando Des Lupeaulx se interessava por alguém ou alguma coisa,
tratava pessoalmente do caso. Permitia aos funcionários de alta categoria
algumas palestras íntimas sobre os assuntos delicados e ouvia-lhes os
diz-que-diz ques. De quando em quando, ia ao castelo receber a palavra de
ordem. Afinal, esperava o ministro, quando este voltava da Câmara nos dias de sessão,
a fim de saber se era preciso inventar e dirigir alguma manobra. O ministerial
sibarita vestia-se, jantava e visitava doze ou quinze salões das oito às três
da madrugada. Na Ópera, conversava com os jornalistas, pois estava com eles nas
melhores relações deste mundo; havia entre eles uma contínua troca de pequenos
serviços, impingia-lhes seus boatos e engolia os deles, impedia-os de atacar tal
ou tal ministro sobre tal e tal assunto pois, dizia ele, aquilo causaria um
verdadeiro pesar às esposas ou amantes dos titulares.
Em compensação, quando havia oportunidade,
ele prestava serviço aos redatores, afastava todos os obstáculos para a
representação de uma peça, dava a propósito gratificações ou um bom jantar,
prometia facilitar a conclusão de um negócio. De resto, gostava de literatura e
protegia as artes; tinha autógrafos, magníficos álbuns grátis, esboços,
quadros. Fazia muitos benefícios aos artistas, não os prejudicando, amparando-os
em certas ocasiões nas quais o amor próprio deles exigia uma satisfação pouco
dispendiosa. Por isso tudo, era ele muito querido por toda a gente dos
bastidores, pelos jornalistas e pelos artistas. Antes de mais nada, todos eles
tinham os mesmos vícios e a mesma preguiça; ademais, troçavam tão bem de tudo
entre dois aperitivos ou entre duas dançarinas! Se Des Lupeaulx não tivesse
sido secretário geral, teria sido jornalista. Por isso, na luta dos quinze anos
em que o malho da epigrama abriu a brecha por onde passou a insurreição, jamais
Des Lupeaulx recebeu o mínimo golpe.
Balzac, Honoré de
(1799-1850)
A comédia
humana. Estudos de costumes. Cenas da vida parisiense. Vol XI. Tradução de
Vidal de Oliveira [et alli]. São Paulo: Globo, 1991, p 128-9.
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