Meu trabalho é fazer cinema. E a
maneira pela qual eu o faço é um modo de existência e não somente um modo de
expressão. Parece-me que neste tipo de extroversão, reconheço alguma coisa que
me pertence de forma muito íntima, a tal ponto que fora do estúdio, fora das
luzes da sala, da materialização de fantasias ou de sonhos, da maquiagem dos
atores, da criação de uma ordem, fora da atmosfera de um set de filmagem, sinto-me um pouco vazio; sinto-me imediatamente no
exílio. Sinto-me tão despreparado para aquilo que chamamos existência normal
que tudo poderá me acontecer. Viver fazendo filmes é, para mim, a forma mais
próxima de identidade na qual posso me encontrar. É no centro de minha história
que me sinto no centro de minha existência.
...como poderia ser desconfiado,
cético, demasiado prudente com a profissão que tenho? Exerço uma profissão que
me mostra sempre que sou louco! Imagino, sonho alguma coisa e depois a
materializo e a mostro a milhões de pessoas. Como é que isso acontece? Como é
possível que eu, ignorante, sem ter a proteção de nenhuma ideologia filosófica
ou política, sem grandes paixões- no fundo fiquei adolescente, com as
curiosidades, as maravilhas da adolescência- como pude realizar isso? Não falo
aqui dos resultados estéticos, mas da operação em si. Então , como poderia
eu acreditar em magia?
-Para o senhor, o artista é, pelo
menos duas pessoas, como dizia Rimbaud: “eu é um outro” ?
-Sim. Revendo meus filmes, por acaso-
porque não os revejo nunca por minha própria vontade- ou quando acontece de ver
uma fotografia ou um trecho na televisão, me vem espontaneamente a pergunta:
“Mas quem é esse que fez esse filme? Como é possível? Como pude impor minha
vontade a milhares de pessoas para realizar isso? ” Fico estupefato, o que me
faz imaginar que no momento em que faço meu trabalho, no momento em que me
torno cineasta, sou habitado por um hóspede escuro, que não conheço, que toma a
direção do barco e dirige em meu lugar. Eu coloco unicamente à sua disposição a
minha voz, minha sensibilidade artesanal, minhas tentativas de sedução, de
plagiador ou de autoridade. Entretanto, é um outro que age, um outro com quem
vivo e que eu aprendo a conhecer pelo que escuto dizer dele....
Federico Fellini (1920-1993)
Federico Fellini (1920-1993)
Eu sou um grande mentiroso, entrevista a Damien Pettigrew. Tradução de Fernanda Borges e Roberto Paulino. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
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