sexta-feira, 12 de outubro de 2018

A parábola de Saint-Simon


Suponhamos que a França perca subitamente seus cinquenta melhores físicos, seus cinquenta melhores químicos, seus cinquenta melhores fisiologistas, seus cinquenta melhores matemáticos, seus cinquenta melhores poetas, seus cinquenta melhores pintores, seus cinquenta melhores escultores, seus cinquenta melhores literatos;
seus cinquenta melhores mecânicos, seus cinquenta melhores engenheiros civis e militares, seus cinquenta melhores soldados de artilharia, seus cinquenta melhores arquitetos, seus cinquenta melhores médicos, seus cinquenta melhores cirurgiões, seus cinquenta melhores farmacêuticos, seus cinquenta melhores marinheiros, seus cinquenta melhores relojoeiros;
seus cinquenta melhores banqueiros, seus duzentos melhores negociantes, seus seiscentos melhores agricultores, seus cinquenta melhores mestres de forja, seus cinquenta melhores fabricantes de armas, seus cinquenta melhores curtidores, seus cinquenta melhores tintureiros, seus cinquenta melhores mineiros, seus cinquenta melhores tecelões, seus cinquenta melhores fabricantes de algodão, seus cinquenta melhores fabricantes de seda, seus cinquenta melhores fabricantes de linho, seus cinquenta melhores fabricantes de utensílios de ferro, seus cinquenta melhores fabricantes de louças e porcelanas, seus cinquenta melhores fabricantes de cristais e vidros, seus cinquenta melhores armadores, seus cinquenta melhores transportadores, seus cinquenta melhores impressores,  seus cinquenta melhores gravadores, seus cinquenta melhores ourives e outros trabalhadores em metais;
seus cinquenta melhores pedreiros, seus cinquenta melhores carpinteiros, seus cinquenta melhores marceneiros, seus cinquenta melhores ferreiros, seus cinquenta melhores serralheiros, seus cinquenta melhores cutileiros, seus cinquenta melhores fundidores, e cem melhores pessoas de diversas atividades não citadas, as mais capazes, nas belas-artes e nas artes e ofícios, somando ao todo os três mil melhores sábios e artesãos da França.
Como esses homens são os franceses mais essencialmente produtivos, os que oferecem os produtos mais importantes, os que dirigem os trabalhos mais uteis à nação e que a tornam produtiva nas ciências, nas belas artes e nas artes e ofícios, eles são, de todos os franceses, os mais úteis a seu país. [...] A nação tornar-se–ia um corpo sem alma no instante em que os perdesse. [...] Seria preciso pelo menos uma geração para que a França pudesse reparar essa infelicidade. [...]
Passemos a uma outra suposição. Admitamos que a França[...] tenha a infelicidade de perder, no mesmo dia, o senhor irmão do rei, o duque de Angoulême, o duque de Berry, o duque de Orleans, o duque de Bourbon, a duquesa de Angoulême, a duquesa de Berry, a duquesa de Orleans, a duquesa de Bourbon e a senhorita de Condé, que perdesse ao mesmo tempo todos os grandes oficiais da coroa, todos os ministros de Estado, todos os conselheiros de Estado, todos os notários, todos os seus marechais, todos os seus cardeais, arcebispos, bispos, vigários e cônegos, todos os prefeitos e subprefeitos, todos os funcionários nos ministérios, e além disso, os dez mil proprietários mais ricos entre os que vivem aristocraticamente.
Este acidente afligiria certamente os franceses, que são generosos, que não saberiam ver com indiferença o súbito desaparecimento de um número tão grande de seus compatriotas. Mas essa perda dos trinta mil indivíduos reputados os mais importantes do Estado não lhes causaria tristeza senão de um ponto de vista puramente sentimental, porque daí não resultaria nenhum mal para o Estado[...] porque seria muito fácil substituir os lugares que houvessem se tornado vagos.
[...] Essas suposições colocam em evidência o fato mais importante da política atual. Provam claramente, ainda que de maneira indireta, que a organização social está pouco aperfeiçoada[...] pois os sábios, os artistas e os artesãos, que são os únicos homens cujas atividades são de utilidade positiva para a sociedade, e que não custam quase nada, são subalternizados pelos príncipes e por outros governantes, que não passam de indivíduos rotineiros mais ou menos incapazes.


Saint-Simon, Henry (1760-1825)

Utópicos, heréticos e malditos: os precursores do pensamento social de nossa época/ [org.] Aloísio Teixeira. Tradução de Ana Paula Ornellas Mauriel et al. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 57-59

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