Suponhamos que a França perca subitamente
seus cinquenta melhores físicos, seus cinquenta melhores químicos, seus
cinquenta melhores fisiologistas, seus cinquenta melhores matemáticos, seus
cinquenta melhores poetas, seus cinquenta melhores pintores, seus cinquenta melhores
escultores, seus cinquenta melhores literatos;
seus cinquenta melhores mecânicos, seus
cinquenta melhores engenheiros civis e militares, seus cinquenta melhores
soldados de artilharia, seus cinquenta melhores arquitetos, seus cinquenta melhores
médicos, seus cinquenta melhores cirurgiões, seus cinquenta melhores farmacêuticos,
seus cinquenta melhores marinheiros, seus cinquenta melhores relojoeiros;
seus cinquenta melhores banqueiros, seus
duzentos melhores negociantes, seus seiscentos melhores agricultores, seus
cinquenta melhores mestres de forja, seus cinquenta melhores fabricantes de
armas, seus cinquenta melhores curtidores, seus cinquenta melhores tintureiros,
seus cinquenta melhores mineiros, seus cinquenta melhores tecelões, seus
cinquenta melhores fabricantes de algodão, seus cinquenta melhores fabricantes
de seda, seus cinquenta melhores fabricantes de linho, seus cinquenta melhores
fabricantes de utensílios de ferro, seus cinquenta melhores fabricantes de
louças e porcelanas, seus cinquenta melhores fabricantes de cristais e vidros, seus
cinquenta melhores armadores, seus cinquenta melhores transportadores, seus
cinquenta melhores impressores, seus
cinquenta melhores gravadores, seus cinquenta melhores ourives e outros
trabalhadores em metais;
seus cinquenta melhores pedreiros, seus
cinquenta melhores carpinteiros, seus cinquenta melhores marceneiros, seus
cinquenta melhores ferreiros, seus cinquenta melhores serralheiros, seus
cinquenta melhores cutileiros, seus cinquenta melhores fundidores, e cem melhores
pessoas de diversas atividades não citadas, as mais capazes, nas belas-artes e
nas artes e ofícios, somando ao todo os três mil melhores sábios e artesãos da
França.
Como esses homens são os franceses mais
essencialmente produtivos, os que oferecem os produtos mais importantes, os que
dirigem os trabalhos mais uteis à nação e que a tornam produtiva nas ciências,
nas belas artes e nas artes e ofícios, eles são, de todos os franceses, os mais
úteis a seu país. [...] A nação tornar-se–ia um corpo sem alma no instante em
que os perdesse. [...] Seria preciso pelo menos uma geração para que a França
pudesse reparar essa infelicidade. [...]
Passemos a uma outra suposição. Admitamos que
a França[...] tenha a infelicidade de perder, no mesmo dia, o senhor irmão do
rei, o duque de Angoulême, o duque de Berry, o duque de Orleans, o duque de
Bourbon, a duquesa de Angoulême, a duquesa de Berry, a duquesa de Orleans, a
duquesa de Bourbon e a senhorita de Condé, que perdesse ao mesmo tempo todos os
grandes oficiais da coroa, todos os ministros de Estado, todos os conselheiros
de Estado, todos os notários, todos os seus marechais, todos os seus cardeais,
arcebispos, bispos, vigários e cônegos, todos os prefeitos e subprefeitos,
todos os funcionários nos ministérios, e além disso, os dez mil proprietários
mais ricos entre os que vivem aristocraticamente.
Este acidente afligiria certamente os
franceses, que são generosos, que não saberiam ver com indiferença o súbito
desaparecimento de um número tão grande de seus compatriotas. Mas essa perda
dos trinta mil indivíduos reputados os mais importantes do Estado não lhes
causaria tristeza senão de um ponto de vista puramente sentimental, porque daí
não resultaria nenhum mal para o Estado[...] porque seria muito fácil
substituir os lugares que houvessem se tornado vagos.
[...] Essas suposições colocam em evidência o
fato mais importante da política atual. Provam claramente, ainda que de maneira
indireta, que a organização social está pouco aperfeiçoada[...] pois os sábios,
os artistas e os artesãos, que são os únicos homens cujas atividades são de
utilidade positiva para a sociedade, e que não custam quase nada, são subalternizados
pelos príncipes e por outros governantes, que não passam de indivíduos
rotineiros mais ou menos incapazes.
Saint-Simon, Henry (1760-1825)
Utópicos, heréticos e malditos: os
precursores do pensamento social de nossa época/ [org.] Aloísio Teixeira. Tradução
de Ana Paula Ornellas Mauriel et al. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 57-59
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