O emprego de escravos tende a afastar homens
livres do trabalho, que é visto como ocupação indigna. Ao lado da classe
superior, que não trabalha, proprietária de escravos, forma-se uma classe média que também não trabalha. Devido
ao emprego de escravos, a sociedade é forçada a adotar uma estrutura de
trabalho relativamente simples, servindo-se de técnicas que podem ser
utilizadas pelos escravos e, que, por essa razão, tornam-se relativamente
impermeáveis à mudança, ao melhoramento e à adaptação a novas situações. A
reprodução do capital fica vinculada à reprodução dos escravos e, dessa maneira,
direta ou indiretamente, ao sucesso de campanhas militares, à produção de
reservas de escravos, e nunca é passível de cálculo no mesmo grau que numa
sociedade na qual não é a pessoa inteira que se compra por toda a vida, mas
serviços especiais de trabalho de indivíduos que, socialmente, são mais ou menos
livres.
Só contra esse pano de fundo podemos
compreender a importância, para todo o desenvolvimento da sociedade ocidental,
do fato de que, durante o lento crescimento da população na Idade Média, os
escravos estivessem ausentes ou desempenhassem apenas papel secundário. Desde o
início, por conseguinte, a sociedade foi colocada em um curso diferente do que
o adotado na Antiguidade romana. E ficou sujeita a regularidades diferentes. As
revoluções urbanas dos séculos XI e XII, a gradual liberação de trabalhadores
desalojados da terra – os burgueses- da submissão ao senhor feudal, constituíram
as primeiras manifestações desses fatores. Daí em diante, ocorreu a gradual
transformação do Ocidente numa sociedade onde um número sempre maior de pessoas
podia ganhar a vida através de ocupações. O papel muito pequeno desempenhado
pela importação de escravos e de mão de obra escrava dava aos trabalhadores,
mesmo como classe inferior, um grande peso social. Quanto mais prosseguia a interdependência
das pessoas e, por conseguinte, mais terra e sua produção eram incluídas na
circulação do comércio e da moeda, mais dependentes as classes superiores, que
não trabalhavam, os guerreiros, ou nobreza se tornavam das classes inferior e média,
que trabalhavam, e mais estas últimas ganhavam em poder social. A ascensão das
classes burguesas para a classe superior constituiu expressão desse modelo. De
forma exatamente oposta àquela por que, na sociedade escravista antiga, homens
livres da cidade eram expulsos da força de trabalho, na sociedade ocidental,
como resultado de homens livres, a crescente interdependência de todos
finalmente atraiu até mesmo membros das classes altas, que não trabalhavam, em números
sempre maiores, para a divisão do trabalho. O próprio desenvolvimento do
Ocidente, a evolução da moeda para aquela forma específica de “capital” que a
caracteriza, pressupõem a ausência de trabalho escravo e o desenvolvimento do
trabalho livre.
Elias, Norbert (1897-1990)
O processo civilizador. Formação do
estado e civilização. Volume 2. Tradução da versão inglesa de Ruy Jungmann. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.p 56.
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