segunda-feira, 20 de agosto de 2018

O trabalho como metáfora


Consideremos agora outras metáforas estruturais que são importantes em nossas vidas: O TRABALHO É UM RECURSO e O TEMPO É UM RECURSO. Ambas se baseiam culturalmente em nossa experiência com recursos materiais. Os recursos materiais são, caracteristicamente, matérias-primas ou fontes de energia. Considera-se que ambos servem a determinados fins. Pode-se usar os combustíveis para calefação, transportes ou como fontes de energia para a manufatura de um produto final. As matérias-primas se transformam diretamente em produtos. Em ambos os casos, se pode quantificar os recursos materiais e a eles atribuir um valor. Nos dois casos, o que é importante para cumprir o propósito concreto é o tipo de material que se opõe à parte ou quantidade particular. Por exemplo, não importa quantos pedaços de carvão aqueçam a casa de alguém, desde que sejam do tipo de carvão adequado. Nos dois casos, o material se consome progressivamente, conforme vá cumprindo seu objetivo. Em resumo:

Um recurso material
é um tipo de substância
se pode quantificar com bastante precisão
se pode lhe atribuir um valor pela quantidade em cada unidade
serve a um determinado propósito
se vai consumindo progressivamente conforme serve a esse propósito.

Tomemos um caso simples, no qual alguém fabrica um produto a partir de uma matéria-prima. Efetua uma certa quantidade de trabalho. Em geral, quanto mais trabalho se realiza mais produtos acabados se obtém. Assumindo que isto seja correto, -que o trabalho é proporcional à quantidade de produto- podemos atribuir um valor ao trabalho em termos do tempo que custa produzir uma unidade do produto. O modelo perfeito é a linha de montagem onde a matéria-prima entra por um extremo, se realiza trabalho em etapas progressivas, cuja duração se fixa segundo a velocidade da própria linha, e o produto sai pelo outro extremo. Isto proporciona uma base para a metáfora O TRABALHO É UM RECURSO da seguinte forma:

O TRABALHO é um tipo de atividade (lembre-se:
UMA ATIVIDADE É UMA SUBSTÂNCIA)
se pode quantificar com bastante precisão (em termos de tempo)
se pode lhe atribuir um valor por unidade
serve a um fim determinado
se consome progressivamente conforme serve a esse propósito

Uma vez que se pode quantificar o trabalho em termos de tempo, e normalmente ele é assim quantificado, em uma sociedade industrial temos as bases da metáfora O TEMPO É UM RECURSO:
O TEMPO é um tipo de substância (abstrata)
se pode quantificar com bastante precisão
se pode lhe atribuir um valor por unidade
serve a um fim determinado
se consome progressivamente conforme serve a esse propósito

Quando vivemos das metáforas O TRABALHO É UM RECURSO e O TEMPO É UM RECURSO, como ocorre em nossa cultura, tendemos a não vê-las como metáforas. Porém, como mostra nossa explicação de sua base na experiência, as duas são metáforas estruturais básicas nas sociedades industriais ocidentais.
Essas duas metáforas estruturais complexas usam metáforas ontológicas simples. O TRABALHO É UM RECURSO utiliza UMA ATIVIDADE É UMA SUBSTÂNCIA. O TEMPO É UM RECURSO utiliza O TEMPO É UMA SUBSTÂNCIA. Estas duas metáforas de SUBSTÂNCIA permitem quantificar o trabalho e o tempo, isto é, medi-los, concebê-los como algo que se consome progressivamente e atribuir-lhes valores monetários; também nos permitem ver o tempo e o trabalho como coisas que podem ser usadas para diversos fins.
Mas, O TRABALHO É UM RECURSO e O TEMPO É UM RECURSO não são universais, sob nenhum pretexto. Emergiram de maneira natural em nossa cultura devido à maneira pela qual vemos o trabalho, nossa paixão pela quantificação e nossa obsessão por cumprir propósitos. As duas metáforas destacam aqueles aspectos do trabalho e do tempo que são centralmente importantes em nossa cultura. Ao fazê-lo, também desenfatizam ou ocultam certos aspectos do trabalho e do tempo. Podemos ver o que ocultam examinando em que coisas se concentram.
Ao considerar o trabalho como um tipo de atividade, a metáfora assume que se pode identificar claramente o trabalho e se pode distingui-lo de coisas que não são trabalho. Assume-se que podemos diferenciar o trabalho do jogo e a atividade produtiva da não produtiva. Estas suposições, obviamente não se ajustam à realidade em numerosos casos, com exceção talvez do caso das linhas de montagem, trabalho forçado, etc. Considerar o trabalho meramente como um tipo de atividade, independente de quem o realiza, como o experimenta e o que significa em sua vida, encobre a questão de se o trabalho é significativo de maneira pessoal, satisfatória e humana.
A quantificação do trabalho em termos de tempo, junto à visão de tempo como algo que serve a determinados fins, induz a noção de tempo livre, que é paralela à noção de tempo de trabalho. Em uma sociedade como a nossa, na qual não se considera a inatividade como um fim em si mesmo, se desenvolveu uma indústria totalmente dedicada à cultura do tempo livre. Como resultado, o tempo livre também se converte em um recurso, que se deve gastar de uma maneira produtiva, utilizar com sabedoria, economizar, que se pode desperdiçar, perder, etc. O que fica oculto nas metáforas de RECURSO quando se aplicam ao trabalho e ao tempo é a forma pela qual nossos conceitos de trabalho e tempo afetam nosso conceito de ócio, convertendo-o em algo incrivelmente parecido ao trabalho.
As metáforas de RECURSO aplicadas ao trabalho e ao tempo ocultam todo tipo de concepções de trabalho e de tempo que existem em outras culturas e em algumas subculturas de nossa própria sociedade: a ideia de que o trabalho pode ser um jogo, que a inatividade pode ser produtiva, de que muito do que chamamos de trabalho ou não serve a um efeito claro ou não tem nenhuma utilidade.



Lakoff, George (1941- ) e Johnson, Mark (1949- )


Metáforas de la vida cotidiana. Traducción de Carmen González Marín. Madrid: Ediciones Cátedra, 1991. p 105-108 (tradução minha)



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