Todos os poetas conheceram o tormento, o
espanto e o gozo. A admiração diante de uma página grandiosa de poesia nunca se
dirige à sua espantosa habilidade, mas à novidade da descoberta que contém.
Mesmo ao sentirmos um alvoroço de alegria ao encontrarmos ligados com
propriedade um adjetivo e um substantivo que antes nunca foram vistos juntos, o
que nos comove não é o espanto pela elegância da coisa, pela prontidão do
engenho, pela habilidade técnica do poeta, e sim a admiração pela nova
realidade trazida à luz.
Quanto a mim, a composição de uma poesia
acontece de um modo que eu nunca acreditaria – se a experiência não me fizesse
vê-la. Movendo-me em torno de uma situação sugestiva informe, vou bramindo de
mim para mim um pensamento, encarnado num ritmo aberto, sempre o mesmo. As
palavras diferentes e as diferentes ligações vão colorindo e caracterizando a
nova concentração musical. E o mais difícil está feito. Só falta agora voltar a
esses dois, três, quatro versos, já nesse estágio quase sempre definitivos e
iniciais e atormentá-los, interrogá-los, ajeitar-lhes os numerosos
desdobramentos, até alcançar um que fique bem. Nesse núcleo de que falei, está
a poesia toda por ser extraída. E cada verso que se acrescenta vai determinando
sempre melhor este núcleo e exclui um número sempre maior de enganos da
fantasia. Até o ponto em que todas as possibilidades intrínsecas do ponto de
partida se acham caracterizadas e desenvolvidas na medida das minhas forças;
aos poucos, ao correr da pena, passaram a formar-se novos núcleos rítmicos
identificáveis nas varias ‘imagens’ individuais da narrativa; e é de má
vontade, pois o interesse já está no fim, que chego ao último dos versos
conclusivos, verso quase sempre descontraído, descansado, ligado ao início e a
recapitular, por alusão, os vários núcleos. Seria a cristalização de Stendhal? Tenho
diante de mim um conjunto rítmico – cheio de cores, de mudanças, de impulsos e
descontração –onde os vários momentos de descoberta, de avanço – os núcleos,
enfim- se alternam de lugar, se iluminam, ativados perenemente pelo sangue rítmico
que flui por toda parte. Depois, fico fumando e tento pensar em outra coisa,
mas, estimulado pelo segredo, acabo por sorrir.
Pavese, Cesar (1908
-1950)
O ofício de viver, diário de
1935-1950. Tradução de Homero Freitas de Andrade. Editora Bertrand Brasil S.A.,
1988.
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