quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Salário por produção nos canaviais


Marcha pelos canaviais. Aqui, um feitor, de camisa vermelha, balança portátil na cintura, caderneta na mão. Supervisiona quatro ou cinco trabalhadores espalhados entre as canas, que cortam e amarram em feixes. Pedimos para ver a caderneta. Ele mostra: deste lado, os nomes; do outro lado, em frente, a produção diária. A página da véspera, no conjunto, a coisa varia entre quinhentos e mil e quinhentos quilos por dia.
_ 2.250 nesta linha: por que este número tão elevado?
_. É um sujeito que vem trabalhar com a neta.
_E aqui, 150. Por que tão pouco?
_. É um menino de seis anos: é o que ele faz num dia. (150 quilos de cana; o salário é pela produção, este menino ganhou ontem 8 cruzeiros)
Pelas cinco horas, diz o feitor, faz-se a conta aqui mesmo. Mostra dois pretos que cortam cana a alguns passos de distância: “estes dois aí são ‘da rua’ (da cidade)”. Os pretos param de trabalhar e um responde às nossas perguntas:
_. Levanto-me às quatro da manhã para começar aqui às seis. Sou ‘volante’. Trabalho um dia aqui, outro lá.
_. Por que vocês vêm da cidade para trabalhar na cana? Não dá para arranjar outro trabalho?
Tem nada, diz ele com uma careta de desgosto. Acende um cigarro e cala-se. O feitor mostra o feixe que ele acaba de amarrar: “se ele fizer cem como este, terá os 1500 quilos”.
Afastamo-nos e ele recomeça a cortar cana. Movimento lentos. Umidade tropical. Esta maneira arrastada do falar brasileiro. Sente-se como que um esvaziamento interior. À nossa frente, perto da cana que está sendo cortada, uma zona de incêndio. Na pista, ao pé de uma colina, um caminhão azul está sendo carregado por quatro homens- vibração dos feixes de cana. Murmúrio de um riacho no meio da terra queimada. Cheiro de cinza. O vento carrega as cinzas finas, que penetram por toda a parte, até nas casas e nos quartos. Ruído longínquo de vozes no canavial e da própria cana sendo cortada. No fundo da paisagem, a “casa grande” rodeada de palmeiras, brancura quase totalmente oculta ao olhar. À nossa volta, um horizonte de colinas. E nesta umidade, estes barulhos moles: nesta depressão achatada, sempre, sempre, uma enorme sensação de esvaziamento.

Linhart, Robert (1944- )



O açúcar e a fome: pesquisa nas regiões açucareiras do nordeste brasileiro. Tradução de J. Silveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.p 16-17.

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