Marcha pelos canaviais. Aqui, um feitor, de
camisa vermelha, balança portátil na cintura, caderneta na mão. Supervisiona
quatro ou cinco trabalhadores espalhados entre as canas, que cortam e amarram em
feixes. Pedimos para ver a caderneta. Ele mostra: deste lado, os nomes; do
outro lado, em frente, a produção diária. A página da véspera, no conjunto, a coisa
varia entre quinhentos e mil e quinhentos quilos por dia.
_ 2.250 nesta linha: por que este número tão
elevado?
_. É um sujeito que vem trabalhar com a neta.
_E aqui, 150. Por que tão pouco?
_. É um menino de seis anos: é o que ele faz
num dia. (150 quilos de cana; o salário é pela produção, este menino ganhou
ontem 8 cruzeiros)
Pelas cinco horas, diz o feitor, faz-se a
conta aqui mesmo. Mostra dois pretos que cortam cana a alguns passos de distância:
“estes dois aí são ‘da rua’ (da cidade)”. Os pretos param de trabalhar e um
responde às nossas perguntas:
_. Levanto-me às quatro da manhã para começar
aqui às seis. Sou ‘volante’. Trabalho um dia aqui, outro lá.
_. Por que vocês vêm da cidade para trabalhar
na cana? Não dá para arranjar outro trabalho?
Tem nada, diz ele com uma careta de desgosto.
Acende um cigarro e cala-se. O feitor mostra o feixe que ele acaba de amarrar: “se
ele fizer cem como este, terá os 1500 quilos”.
Afastamo-nos e ele recomeça a cortar cana.
Movimento lentos. Umidade tropical. Esta maneira arrastada do falar brasileiro.
Sente-se como que um esvaziamento interior. À nossa frente, perto da cana que
está sendo cortada, uma zona de incêndio. Na pista, ao pé de uma colina, um
caminhão azul está sendo carregado por quatro homens- vibração dos feixes de
cana. Murmúrio de um riacho no meio da terra queimada. Cheiro de cinza. O vento
carrega as cinzas finas, que penetram por toda a parte, até nas casas e nos
quartos. Ruído longínquo de vozes no canavial e da própria cana sendo cortada.
No fundo da paisagem, a “casa grande” rodeada de palmeiras, brancura quase
totalmente oculta ao olhar. À nossa volta, um horizonte de colinas. E nesta
umidade, estes barulhos moles: nesta depressão achatada, sempre, sempre, uma
enorme sensação de esvaziamento.
Linhart, Robert (1944- )
O açúcar e a fome: pesquisa nas regiões
açucareiras do nordeste brasileiro. Tradução de J. Silveira. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1981.p 16-17.
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