A primitiva máquina a vapor, tal como a
concebeu Newcomen, exigia a presença de uma pessoa exclusivamente encarregada
de manobrar as torneiras, seja para introduzir o vapor no cilindro, seja para
nele lançar a chuva fria destinada à condensação. Conta-se que um menino
empregado nesse trabalho, muito entediado com a obrigação de o fazer, teve a
ideia de ligar as manivelas das torneiras, por cordões, ao pêndulo da máquina.
Desde então, a máquina abria e fechava por si mesma as suas torneiras; ela
funcionava sozinha. Ora, um observador que comparasse a estrutura dessa segunda máquina com a da primeira, sem se ocupar
dos dois meninos encarregados da vigilância, só teria verificado entre elas uma
ligeira diferença de complicação. É tudo o que se pode perceber, com efeito,
quando só se olham as máquinas. Mas se dermos uma olhadela nos meninos, veremos
que um está absorvido por sua vigilância, e que o outro está livre para
divertir-se à vontade, e que, por esse aspecto, a diferença entre as duas
máquinas é radical, a primeira mantendo a atenção prisioneira, a segunda lhe
dando livre trânsito. Diferença do mesmo gênero, segundo cremos, é a que se
verificaria entre o cérebro do animal e o cérebro do homem.
Bergson, Henri (1859-1941)
Cartas, conferências e
outros escritos. Traduções de Franklin Leopoldo e Silva e Nathanael Caxeiro. São
Paulo: Abril Cultural (Os pensadores), 1984. p.205
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