segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Eu era o patrão


eu, o que eu fazia...? Eu era o patrão. Sentava-me em meu lugar como um guarda-noturno. Tratava de ser respeitoso, humano, justo. Ao mesmo tempo tratava também, naturalmente, de receber da fábrica e dos empregados tudo a que eu tinha direito em termos de lucros e vantagens. Observava com muita pontualidade minha disciplina de trabalho na fábrica, com mais pontualidade que os empregados e funcionários do escritório. Assim me esforçava por servir à fortuna e à receita destinada a mim. Porém por dentro tudo era assustadoramente vazio...O que eu podia fazer na fábrica? Aceitava ou rejeitava um projeto, implantava uma nova organização do trabalho, buscava novos mercados para a produção. E a grande receita me dava alegria?...Alegria não é a palavra apropriada. Eu me satisfazia por poder cumprir as obrigações perante o mundo, o dinheiro possibilitava que eu não tivesse um partido político de uma forma honesta, digna, generosa e responsável. No mundo dos negócios eu era citado como exemplo de homem de negócios pontual. Sabia ser respeitoso, conseguia prover de pão, e mais que pão, muita gente... É bom poder dar. Eu apenas não alcançava uma alegria verdadeira. Vivia com conforto, meus dias passavam com honestidade. Não era inativo, ao menos aos olhos do mundo não era inútil, nem preguiçoso. Eu era o bom patrão: assim as pessoas falavam de mim também na fábrica. Entretanto isso tudo não me dava nada, era apenas um modo sofrido, preocupante, responsável de passar o tempo.



Márai, Sandor (1900 -1989)

De verdade. Tradução de Paulo Schiller. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p 206-207.


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