Janela sobre a memória
À beira-mar de outro mar, outro oleiro se aposenta, em seus anos finais.
Seus olhos se cobrem de névoa, suas mãos
tremem: chegou a hora do adeus. Então acontece a cerimônia de iniciação: o
oleiro velho oferece ao oleiro jovem sua melhor peça. Assim manda a tradição,
entre os índios do noroeste da América: o artista que se despede entrega sua
obra-prima ao artista que se apresenta.
E o oleiro jovem não guarda esta peça
perfeita para contemplá-la e admirá-la: a espatifa contra o solo, a quebra em
mil pedacinhos, recolhe os pedacinhos e os incorpora à sua própria argila.
Eduardo Galeano (1940-2015)
Amares, tradução de Eric Nepomuceno, Sergio
Faraco, Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM, 2019, p. 113.
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