quinta-feira, 29 de julho de 2021

Oleiros

 

Janela sobre a memória

À beira-mar de outro mar, outro oleiro se aposenta, em seus anos finais.

Seus olhos se cobrem de névoa, suas mãos tremem: chegou a hora do adeus. Então acontece a cerimônia de iniciação: o oleiro velho oferece ao oleiro jovem sua melhor peça. Assim manda a tradição, entre os índios do noroeste da América: o artista que se despede entrega sua obra-prima ao artista que se apresenta.

E o oleiro jovem não guarda esta peça perfeita para contemplá-la e admirá-la: a espatifa contra o solo, a quebra em mil pedacinhos, recolhe os pedacinhos e os incorpora à sua própria argila.

 

 

                                                                                                                    Eduardo Galeano (1940-2015)

 

Amares, tradução de Eric Nepomuceno, Sergio Faraco, Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM, 2019, p. 113.

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