O meu nome é João Anes, vim do Porto e sou
tanoeiro, também para construir um convento são precisos tanoeiros, quem
haveria de fazer e consertar as dornas, as pipas e os baldes, se um pedreiro
está no andaime e lhe chegam o cocho da
massa, tem de molhar as pedras com a
vassoura para que façam boa presa a pedra que está e a outra que vai assentar,
para isso é que lá tem o balde, e os
animais bebem onde, bebem nas tinas, e quem faz as tinas, fizeram-nas os tanoeiros,
não é por me gabar, mas não há ofício como
o que eu tenho, até Deus foi tanoeiro, vejam-me essa grande dorna que é
o mar, se a obra não estivesse perfeita, se as aduelas não tivessem tão bem ajustadas,
entrava-nos o mar pela terra dentro, era aí outro dilúvio, sobre minha vida não
tenho muito que dizer, deixei a família no Porto, lá se vão governando, há dois
anos que não vejo a mulher, às vezes sonho que estou deitado com ela, mas se
sou eu não tenho a minha cara, no dia
seguinte corre-me sempre mal o trabalho, gostava de me ver completo no sonho,
em vez daquela cara sem boca nem feição, sem olhos nem nariz, que cara estará
minha mulher vendo nessa ocasião, não sei,era bom que fosse a minha
José Saramago (1922-2010)
Memorial do Convento. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995, p 235.
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