sábado, 27 de junho de 2020

Os tradutores são loucos pelos sinônimos


Nabakov observa que no começo de Ana Karenina, no texto russo, a palavra «casa» aparece oito vezes em seis frases e que esta repetição é um artifício deliberado da parte do autor. Entretanto, na tradução francesa, a palavra “casa” aparece apenas uma vez, na tradução tcheca não mais de duas vezes. No mesmo livro, em todos os lugares em que Tolstoi escreve “skazal” (disse) encontro na tradução proferiu, retorquiu, replicou, gritou, tinha concluído etc. Os tradutores são loucos pelos sinônimos. (Rejeito a própria noção de sinônimo: cada palavra tem seu sentido próprio e é semanticamente insubstituível.) Pascal: “Quando num discurso se encontram palavras repetidas e ao tentarmos corrigi-las as achamos tão apropriadas que estragaríamos o discurso, devemos deixá-las, é a marca do discurso. ” O refinamento lúdico da repetição no primeiro parágrafo de uma das mais belas prosas francesas: “Eu amava perdidamente a Condessa de...; eu tinha vinte anos, e era ingênuo; ela me enganou, eu me zanguei, ela me deixou. Eu era ingênuo, lamentei-me; eu tinha vinte anos, ela me perdoou: e como eu tinha vinte anos, era ingênuo, sempre enganado, mas nunca abandonado, eu me acreditava o amante mais amado, portanto o mais feliz dos homens...”(Vivant Denon: Point de lendemain.)


Milan Kundera (1929-)



A arte do romance. Tradução de Teresa Bulhões C. da Fonseca e Vera Mourão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p 126-27.





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