Coletânea de excertos sobre as várias faces do trabalho, escolhidos a partir de muitas e prazerosas leituras de textos literários e afins (com algumas ilustrações)
quinta-feira, 26 de setembro de 2019
domingo, 22 de setembro de 2019
Sono e trabalho
O que me perturba o sono me perturba também o
trabalho. Assovios & conversas, mas não o barulho de máquinas, ou melhor,
este muito menos.
[...]
Sob muitos pontos de vista, o sono & o
trabalho intelectual se assemelham. Manifestamente em função de ambos
implicarem uma ausência de atenção em relação a certas coisas.
Wittgenstein, Ludwig (1889-1951)
Movimentos de pensamento: diários de 1930-1932/1936-1937.
Tradução de Edgard da Rocha Marques. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p 53-4.
sábado, 21 de setembro de 2019
Métis
A inteligência deve, portanto, por força da
flexibilidade, fazer-se ela mesma movimento incessante, polimorfismo, revirada,
fingimento e duplicidade.
Inteligência astuciosa de que a caça e a
pesca puderam fornecer na origem o modelo, mas que transborda largamente desse quadro,
como mostra, em Homero, Ulisses, encarnação humana da métis. Estratagemas do guerreiro quando ele age de surpresa, com
dolo ou em emboscada, arte do piloto dirigindo o navio contra ventos e marés, artifícios
verbais do sofista que retorna contra o adversário o argumento muito forte de
que ele se serviu, engenhosidade do banqueiro e do comerciante que, como os
prestidigitadores, faz muito dinheiro do nada, prudência avisada do político
cujo faro sabe pressentir, de antemão, o curso incerto dos acontecimentos,
destreza da mão, segredos de ofício que dão aos artesãos posse de uma matéria
sempre mais ou menos rebelde a seu esforço industrioso: a métis preside a todas as atividades em que o homem deve aprender a
manobrar forças hostis, muito poderosas para serem diretamente controladas, mas
que podem ser utilizadas a despeitos delas, sem jamais as enfrentar de cara,
para fazer atingir por um viés imprevisto o projeto que se meditou.
Détienne, Marcel (1935-2019)
Vernant, Jean-Pierre (1914-2007)
Métis, As astúcias da inteligência;
tradução de Filomena Hirata. São Paulo: Odysseus Editora, 2008. p54.
segunda-feira, 16 de setembro de 2019
sexta-feira, 13 de setembro de 2019
Conselho aos médicos: quam artem exerceas?
O médico que vai atender a um paciente proletário
não se deve limitar a pôr a mão no pulso, com pressa, assim que chegar, sem
informar-se de suas condições; não delibere de pé sobre o que convém ou não convém
fazer, como se não jogasse com a vida humana; deve sentar-se, com a dignidade
de um juiz, ainda que não seja em cadeira dourada, como em caso de magnatas;
sente-se mesmo num banco, examine o paciente com fisionomia alegre e observe
detidamente o que ele necessita dos seus conselhos médicos e de seus cuidados
piedosos. Um médico que atende a um doente deve informar-se de muita coisa a
seu respeito pelo próprio e pelos seus acompanhantes, segundo o preceito de nosso
Divino Preceptor, “quando visitares um doente convém perguntar-lhe o que sente,
qual a causa, desde quantos dias, se seu ventre funciona e que alimento ingeriu”
são palavras de Hipócrates no seu livro “Afecções”; a estas perguntas devia-se
acrescentar outra: “Quam artem exerceas? (que arte exerce? qual a sua ocupação?)”.
Tal pergunta considero oportuno e mesmo necessário lembrar ao médico que trata
um homem do povo, que dela se vale para chegar às causas ocasionais do mal, a
qual quase nunca é posta em prática, ainda que o médico a conheça. Entretanto,
se a houvesse observado, poderia obter uma cura mais feliz.
Ramazzini, Bernardino (1633-1714)
As doenças dos trabalhadores. Tradução
de Raimundo Estrela. São Paulo: Fundacentro, 2000. p 25.
quarta-feira, 11 de setembro de 2019
Amar o trabalho?
É preciso amar o trabalho, dizem nossos
sábios: eh! Mas como? O que há de amável na civilização para os 9/10 dos seres
a quem ele só causa desgosto, sem nenhuma vantagem? Por isso, os ricos, que
dele só exercem a parte lucrativa e cômoda, a direção, geralmente lhe têm repugnância.
Como fazer o pobre amá-lo se não se sabe torná-lo amado pelo rico?
A vida é um suplício perpétuo para nossos
operários, obrigados a empregar doze horas consecutivas, muitas vezes quinze,
num trabalho fastidioso. Os próprios ministros não estão isentos: há os que se
queixam de ter passado uma jornada inteira na abominável tarefa de colocar sua
assinatura em milhares de documentos contáveis.
[...]no estado atual, assegurar ao pobre
direitos à soberania quando ele só pede o direito de trabalhar para o prazer
dos ociosos não é insultá-lo?
Passamos séculos a discutir sobre os direitos
do homem, sem sonhar em reconhecer o mais essencial, o do trabalho, sem o qual
os outros nada são.
Fourier,
Charles (1772-1837)
Théorie de l’unité universelle, 2 ed. Paris:
1838.
(tradução minha)
sábado, 7 de setembro de 2019
A concentração do ator
Antes de começar qualquer coisa, é importante
limpar o espaço de trabalho. Esvaziá-lo, desfazer-se de tudo o que é inútil e
ordenar apenas algumas cadeiras necessárias ou certos acessórios,
cuidadosamente, próximos às paredes do ambiente. Depois limpa-se o chão. Se os
atores se derem esse tempo e se entregarem a isso no começo do dia de ensaio, o
trabalho tende a ser bom. No Japão, todas as tradições teatrais, religiosas e
das artes marciais seguem essa prática.
Mas essa limpeza não é feita de qualquer
jeito, só para se livrar da sujeira, usando detergente ou até alguns aparelhos.
Todas as disciplinas tradicionais têm um estilo particular de limpar o chão, em
que se usa água fria com panos de algodão, ficando-se num estado desperto de
consciência e solicitando do corpo uma posição específica. O pano deve ser
umedecido em água fria (sem detergente) e depois torcido. Abre-se o pano úmido no
chão, pondo-se as duas palmas das mãos sobre ele. Os joelhos não tocam o chão,
somente as mãos e os pés. De modo que o corpo fica parecido a um V invertido.
Então andamos para a frente, lentamente, empurrando o pano pelo chão.
Normalmente começamos por um lado do ambiente e atravessamos sem parar em direção
ao outro. Quando chegamos na parede oposta, ficamos em pé, umedecemos o pano e
recomeçamos por uma outra “pista”. Nesta posição, nossos quadris estão firmes,
e trabalhamos o corpo à medida em que limpamos o chão. Enquanto fazemos esse
exercício, temos de pensar somente em esfregar o pano, limpando cuidadosamente.
Não devemos nos apressar, ficar distraídos ou pensar em outras coisas. Não
devemos conversar com outro colega. Tudo isso é extremamente difícil, mas é algo
muito bom para treinar a concentração de que um ator necessita.
Existe um conceito que se encontra na antiga filosofia
budista indiana, o samadhi, que se
refere a um nível particular de concentração profunda. De certo modo, é
extremamente simples: quando lemos um livro, apenas nos concentramos na leitura
do livro; quando pescamos, focamos nossa atenção somente nos movimentos e na
vibração da própria linha; quando limpamos o chão, é tudo o que fazemos. [...] É
extremamente difícil concentrar-se apenas na ação de limpar: é fácil
distrair-se. No entanto, os atores devem ser capazes de realizar qualquer
atividade com 100% de si mesmos e de concentração.
Yoshi Oida ( 1933- )
O ator invisível. Prefácio de Peter
Brook; tradução de Marcelo Gomes. São Paulo: Via Lettera, 2007. p 22-23.
Yoshi Oida em O homem que... |
quinta-feira, 5 de setembro de 2019
terça-feira, 3 de setembro de 2019
Comandar ou servir
Prefiro servir-lhes como eu quiser a
comandá-los como eles quiserem.
Shakespeare, William (1564-1616)
Obra Completa. Nova versão, anotada,
de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes. Volume 1. Coriolano. Rio
de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1989. p 170.
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