A curiosidade me levava a pedir minúcias.
_Ó Gaúcho, como é que você consegue destrancar
uma fechadura?
O paciente indivíduo não se espantava de
minha ignorância, mencionava a caneta, usava expressões técnicas obscuras. Aproximava-me
do rosto o indicador e o polegar, manejava delicadamente uma pinça imaginária,
introduzia-a num buraco, segurava com ela a ponta de uma chave, ia movendo a mão
- assim – para os lados, avançava depois os dedos para os meus olhos. Falava em
abundância e a palavra e o gesto davam-me ideia viva da operação: vencido o
obstáculo, a chave, impelida para diante, caía.
_Mas isso faz barulho, Gaúcho.
_Não senhor. Eu estiro um número do “Jornal
do Brasil” por baixo da porta. Puxo o jornal e trago a chave. Se ela não vier,
meto a gazua na fechadura.
Explicava a maneira de cortar uma vidraça,
com diamante. Dava um murro no vidro, que se deslocava, batia sem rumor em cima
do “Jornal do Brasil”.
_Ó Gaúcho, informei-me estranhando a repetição,
por que essa preferência? Outro jornal não serve?
O ladrão refletiu e esclareceu muito grave:
_Vossa mercê compreende: o “Jornal do Brasil”
tem mais páginas, é mais grosso.
Vanderlino, na esteira próxima, divertia-se. E
Gaúcho, exposta essa utilidade nova da imprensa, estendia-se por um de seus
numerosos casos.
Graciliano Ramos (1892-1953)
Memórias do cárcere. volume 1. Rio de Janeiro: Record. p 96
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