Hafida Zizi (1976-) |
Coletânea de excertos sobre as várias faces do trabalho, escolhidos a partir de muitas e prazerosas leituras de textos literários e afins (com algumas ilustrações)
Descanso! Eu achava que conhecia o significado dessa palavra, mas estava enganado. Tinha descansado a vida toda e não sabia. Agora, porém, ficar sentado meia hora sem fazer nada, nem mesmo pensar, teria sido a coisa mais prazerosa do mundo. Por outro lado, é uma revelação. De agora em diante, poderei entender a vida dos trabalhadores. Eu não sonhava que o trabalho pudesser ser algo tão terrível. Das cinco e meia da manhã às dez da noite, sou escravo de todos e não tenho um único instante para mim, exceto quando consigo roubar um tempinho ao anoitecer, no término do segundo quarto de vigia. Se consigo parar um minuto para contemplar o oceano cintilante à luz do sol, ou para observar um marujo subir até a carangueja ou equilibrar-se no gurupés, sei que logo escutarei aquela voz abominável dizendo “Ei, Hump, não te faz de morto. Tô de olho”.
O Lobo do Mar; tradução Daniel Galera.
Rio de Janeiro: Zahar, 2015, p.80.
Era sobre uma pesquisa que tinha como objetivo entender a perspectiva
das crianças que viviam nas ruas da cidade [Brasília]. A equipe do projeto
teria entregue a cada menino e menina uma máquina fotográfica, dessas
feitas de lata, e pedira que eles registrassem aquilo que os oprimia. Como
era esperado, surgiram fotos de policiais, garçons e vendedores, figuras
responsáveis por enxotá-los dos lugares por onde costumam circular. Mas
um conjunto de imagens destoava de tudo isso – eram fotografias de uma
parede vazia, com um prego espetado no meio. Uma vez que as imagens
não faziam sentido para a equipe de pesquisadores, chamaram o menino
para conversar sobre o assunto. Ao contrário do que pensavam, ele havia
entendido o que queriam e explicou seu recorte: era engraxate, mas não
tinha autorização para trabalhar em qualquer lugar, por isso alugava
aquele espaço e o prego onde podia pendurar sua caixa. Era aquilo que o
oprimia, a exploração do trabalho.
Regina Dalcastagnè (1967-)
O prego e o rinoceronte. Porto Alegre: Zouk, 2021. p.15-16.
A curiosidade me levava a pedir minúcias.
_Ó Gaúcho, como é que você consegue destrancar
uma fechadura?
O paciente indivíduo não se espantava de
minha ignorância, mencionava a caneta, usava expressões técnicas obscuras. Aproximava-me
do rosto o indicador e o polegar, manejava delicadamente uma pinça imaginária,
introduzia-a num buraco, segurava com ela a ponta de uma chave, ia movendo a mão
- assim – para os lados, avançava depois os dedos para os meus olhos. Falava em
abundância e a palavra e o gesto davam-me ideia viva da operação: vencido o
obstáculo, a chave, impelida para diante, caía.
_Mas isso faz barulho, Gaúcho.
_Não senhor. Eu estiro um número do “Jornal
do Brasil” por baixo da porta. Puxo o jornal e trago a chave. Se ela não vier,
meto a gazua na fechadura.
Explicava a maneira de cortar uma vidraça,
com diamante. Dava um murro no vidro, que se deslocava, batia sem rumor em cima
do “Jornal do Brasil”.
_Ó Gaúcho, informei-me estranhando a repetição,
por que essa preferência? Outro jornal não serve?
O ladrão refletiu e esclareceu muito grave:
_Vossa mercê compreende: o “Jornal do Brasil”
tem mais páginas, é mais grosso.
Vanderlino, na esteira próxima, divertia-se. E
Gaúcho, exposta essa utilidade nova da imprensa, estendia-se por um de seus
numerosos casos.
Graciliano Ramos (1892-1953)
Memórias do cárcere. volume 1. Rio de Janeiro: Record. p 96
Entrevistador: poderia o senhor dizer-nos, antes de mais nada, algo a respeito de sua maneira de trabalhar?
Aldous Huxley: trabalho com regularidade,
pela manhã e depois um pouquinho antes do jantar. À noite, prefiro ler. Em
geral, trabalho quatro ou cinco horas por dia. Trabalho tanto quanto posso, até
sentir que estou ficando rançoso. Às vezes, quando empaco, ponho-me a ler -
ficção, psicologia ou história, não importa muito o que – não para tomar
emprestados ideias ou materiais mas simplesmente para recomeçar de novo. Quase
qualquer coisa fará esse truque.
Entrevistador: reescreve muito as suas obras?
Aldous Huxley: em geral, escrevo tudo muitas
vezes. Todas as minhas ideias são derivadas. E corrijo muito cada página ou as
reescrevo, à medida que prossigo.
Aldous Huxley (1894-1963)
Escritores em ação. São Paulo: Paz e Terra,
p 216
Trabalhando o sal
É amor, o suor que me sai
Vou viver cantando
O dia tão quente que faz
Homem ver criança
Buscando conchinhas no mar
Trabalho o dia inteiro
Pra vida de gente levar.
Água vira sal lá na salina
Quem diminuiu água do mar
Água enfrenta o sol lá na salina
Sol que vai queimando até queimar
Trabalhando o sal
Pra ver a mulher se vestir
E ao chegar em casa
Encontrar a família a sorrir
Filho vir da escola
Problema maior, estudar
Que é pra não ter meu trabalho
E vida de gente levar.
Milton Nascimento ( 1942-)
Cantam Gal Costa e Milton Nascimento